Privatização de toda a rede da estatal, que
inclui 54 terminais, pode gerar receita de até R$ 15 bilhões
BRASÍLIA - O governo bateu o martelo sobre
o futuro da Infraero e planeja privatizar toda a empresa, transferindo para o
setor privado a rede administrada pela estatal, que inclui 54 terminais, entre
aeroportos lucrativos e deficitários. A ideia é copiar o modelo de leilão do
setor elétrico, como o que foi feito com a antiga distribuidora de energia de
Goiás (Celg), com mudança de CNPJ e transferência de todos os funcionários. Em
contrapartida, o novo concessionário poderá explorar o serviço público por um prazo
de 30 anos. O chamariz para o investidor é Congonhas, aeroporto que é
considerado a joia da coroa, e outros terminais importantes, como Santos
Dumont, Belém, Manaus, Curitiba e Goiânia.
O plano do governo é vender pelo menos 51%
de toda a Infraero, podendo chegar a 80%. A medida pode gerar uma receita
extraordinária entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. O BNDES será contratado
para realizar os estudos da modelagem e indicar o caminho mais vantajoso para a
União: licitação em lotes ou em um único bloco.
O modelo já era defendido pela equipe
econômica, mas havia resistência da Infraero e de uma ala do governo, que
insistia na necessidade de manutenção da estatal para cuidar de terminais
deficitários, mas importantes do ponto de vista de integração do país. A
alternativa da privatização foi colocada sobre a mesa pela própria estatal numa
reunião com a Secretaria de Estatais (Sest) e outras autoridades do setor, na
última sexta-feira, o que acabou surpreendendo técnicos do Executivo. A Sest,
segundo interlocutores, apoiou a proposta de forma irrestrita.
Pela proposta, será uma concessão como
qualquer outra, cabendo à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) fiscalizar o
contrato, a execução dos investimentos previstos e a Pualidade do serviço
prestado, além de questões relacionadas às tarifas. No encontro, ficou acertado
que os próximos passos são levar o modelo aos ministros responsáveis pelo setor
e incluir os ativos no Plano Nacional de Desestatização (PND).
Uma das vantagens da proposta é a redução
de gastos para a União com funcionários da Infraero, o que daria também um
indicativo de maior austeridade com as contas públicas. Por isso, todos os
técnicos que participaram do encontro endossaram o plano alternativo para a
Infraero — que registra prejuízo por cinco anos consecutivos. O balanço de 2017
fechou no vermelho em R$ 1,8 bilhão.
Segundo autoridades a par do assunto, a
solução resolve o maior problema da Infraero hoje, que é de pessoal. Isso
porque, mesmo tendo concedido nove aeroportos, a estatal enfrenta restrições
para reduzir o quadro de funcionários.
— Você demite os empregados, eles entram na
Justiça e acabam voltando — disse uma fonte da área econômica, citando o caso
da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), a parte urbana da antiga Rede
Ferroviária Federal.
Nesse caso, os empregados que foram
demitidos entraram na Justiça e acabaram retornando para a CBTU. Segundo essa
fonte, o problema de pessoal da Infraero acabou sendo determinante na proposta
de privatizar toda a empresa.
Diante do pouco tempo que ainda resta ao
governo Temer, a ideia é assumir todo o desgaste político agora e deixar tudo
pronto para o novo presidente. O objetivo é colocar os estudos em consulta
pública para iniciar o debate com a sociedade e fechar a modelagem ainda este
ano, disse um interlocutor.
A Infraero negociou com os trabalhadores um
acordo que veda demissões até 2020, ressalta uma fonte. O vencedor da disputa
pela estatal saberá, porém, que, a partir de 2021, poderá reduzir o quadro de
pessoal. Nas concessões de aeroportos realizadas até agora, os funcionários que
não foram absorvidos pelo novo concessionário permaneceram na Infraero.
Em 2012, quando o governo deu início aos
leilões no setor aeroportuário, a Infraero tinha 14.131 funcionários. Seis anos
depois, mesmo após ter transferido ao setor privado nove grandes aeroportos, a
empresa ainda tem 9.974, dos quais 1.136 estão cedidos a outros órgãos
públicos.
Apesar das restrições a desligamentos, o
governo pretende que a Infraero chegue ao fim do ano com um quadro entre 6,5 mil
e 7 mil empregados. Cerca de 1.800 funcionários das torres de controle serão
transferidos para a nova estatal que será criada, chamada Nav Brasil e que
ficará ligada à Aeronáutica. A nova empresa está dependendo apenas da aprovação
do Ministério da Fazenda.
Outro argumento do governo para privatizar
a Infraero é que se nada for feito, a empresa ficará totalmente dependente da
União, dentro de um ano e meio. Depois de dois anos seguidos de queda, a
estatal registrou resultado operacional positivo de R$ 505,4 milhões em 2017.
Mesmo assim, teve prejuízo de R$ 1,8 bilhão no ano passado.
Segundo autoridades envolvidas nas
discussões, a solução está prevista no trabalho realizado por uma auditoria
especial, contratada pela própria Infraero. Na avaliação de analistas do
mercado, há investidores interessados nos ativos da Infraero. As regras dos
editais e o tratamento a ser dado aos funcionários da empresa podem ser
cruciais para atrair investidores.
— Há interesse do mercado na concessão dos
aeroportos da Infraero desde que o governo assuma os funcionários e que os
investimentos sejam por gatilho (que varia de acordo com o movimento nos
aeroportos) — disse André Soutelino, especialista em Direito Aeronáutico. —
Quanto ao estudos que serão realizados pelo BNDES, defendo uma aproximação do
governo com a academia e o mercado. A Secretaria de Aviação Civil teria que
fornecer todos os dados (inclusive o financeiro) dos aeroportos da rede
Infraero. Assim, o debate será fortalecido.
De acordo com outra fonte do mercado, seja
qual for o modelo adotado pelo governo, será imprescindível incluir aeroportos
maiores para assegurar o desenvolvimento dos menores.
— Neste sentido, Santos Dumont e Congonhas
são extremamente importantes — disse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário