A aviação civil é a fonte de emissões de
CO2 que vem crescendo mais rapidamente. Soluções propostas para contornar o
problema vão de combustíveis sintéticos a otimização de rotas e abrir mão de
voar.Uma nova hashtag lançada na Suécia sintetiza um mal-estar típico do século
21: #flygskam, ou vergonha de voar devido à grande quantidade de CO2 emitida
por aviões.
Cientistas calcularam que, para manter em
dois graus centígrados o aquecimento global médio em relação à era
pré-industrial, cada ser humano pode ser responsável pela emissão de cerca de
duas toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano. Na Alemanha, a média é
cerca de 4,5 vezes esse limite, e nos Estados Unidos, de oito vezes.
O ex-atleta olímpico e comentarista de
esportes sueco Björn Ferry é um dos pioneiros do movimento Flygskam. Sua meta
pessoal é, até o ano 2025, estar vivendo totalmente livre de combustíveis
fósseis.
Isso significou passar a comprar mais de
segunda mão, comer menos carne e cultivar seus próprios vegetais. Porém a maior
mudança foi em sua forma de viajar. "Decidi parar de voar quase dois anos
atrás", revela à DW. "No momento, é impossível viajar de avião e
abandonar os combustíveis fósseis."
Para uma viagem recente à Eslovênia, ele
levou dois dias de trem. Por sorte, seus patrões têm sido compreensivos com a
dieta anticarbônica de Ferry. Ele não é do tipo de protestar nas ruas, mas
"se a TV sueca não tivesse aceitado minha forma de viajar, aí é provável
que eu tivesse abandonado o emprego".
Combustível PtL: saída possível para a
aviação
A postura de Björn Ferry é admirável, e
provavelmente todo ser humano ecologicamente consciente gostaria de seguir seu
exemplo. Entretanto, "voar é um assunto muito difícil e
desconfortável", reconhece Magdalena Heuwieser, da rede internacional Stay
Grounded (literalmente: fique com os pés no chão). "Para muitos de nós,
tornou-se normal. Mas a questão é: como vamos dar conta da mudança
climática?"
A aviação é responsável por 2% das emissões
de gases do efeito estufa, mas, levando-se em consideração também outros
impactos prejudiciais dos aviões sobre o clima, a aviação civil responde por
cerca de 5% do aquecimento global. Além disso, enquanto outros setores estão
sendo radicalmente reformulados, há poucos sinais de mudança na aviação civil -
atualmente a fonte de CO2 que cresce mais rapidamente.
Então, será que a abordagem "tudo ou
nada" de Ferry é a única resposta? Ou novas tecnologias serão capazes de
proporcionar voos ecológicos, do mesmo modo como a transição para as fontes
renováveis vai reabilitando o setor de energia?
Os aviões movidos a bateria ainda se
encontram nos estágios iniciais de desenvolvimento, e especialistas não preveem
que entrem em escala industrial antes das próximas duas décadas. No entanto já
é possível produzir combustível com energia renovável: basta eletrolisar água
para gerar hidrogênio, acrescentar CO2 da atmosfera e já se tem querosene de
aviação sintético.
Esse método, denominado power-to-liquid
(eletricidade para líquido - PtL), é preferível aos biocombustíveis, os quais
acarretam seus próprios custos ambientais, sobretudo devido às vastas extensões
de terra necessárias a gerar a matéria prima.
No momento, contudo, os combustíveis PtL
são caros. Segundo especialistas, o que poderia inverter a matemática seria
colocar um preço nas emissões carbônicas, permitindo assim aos fabricantes de
países grandes produtores de energia solar, eólica e hídrica competirem com os
velhos e sujos combustíveis fósseis. Na Noruega, cuja energia é basicamente
hidrelétrica, uma fábrica começará a fornecer combustível PtL em grande escala
já em 2020.
Desproporção entre custos ambientais e das
passagens aéreas
Porém as emissões de CO2 não são a única
razão por que os aviões agravam o aquecimento global. Os voos de grande
altitude deixam rastros de condensação (contrails, em inglês) formados por
cristais de gelo e ozônio. Eles refletem os raios solares de volta para o
espaço, causando impacto climático duas vezes maior do que o das emissões
carbônicas das turbinas, quer se use combustível fóssil ou sintético.
Otimizando-se as rotas de voo, é possível
reduzir esse efeito - ou até mesmo "revertê-lo", segundo Stefanie
Meilinger, docente de tecnologia sustentável na Escola Superior
Bonn-Rhein-Sieg.
Junto ao Centro Aeroespacial Alemão (DLR) e
o Serviço Meteorológico Nacional, ela está trabalhando para otimizar as rotas
da Lufthansa Systems, com medidas como adotar altitudes menores durante certas
horas do dia, ou voar à noite, assim como optar por rotas mais curtas e
possivelmente mais baratas.
Na Europa, as passagens aéreas se tornaram
absurdamente baratas, sobretudo considerando-se o alto preço pago pelo meio
ambiente. Como o combustível de aviação é isento de taxas, muitas vezes voar é
a opção mais barata, mesmo para trechos breves.
Se as passagens refletissem o dano
ambiental, por exemplo com um preço efetivo sobre o CO2 emitido ou tributação
pesada, seu custo dispararia, voltando a tornar os ônibus e trens muito mais
atraentes. Mas a Stay Grounded lembra que essas opções mais limpas necessitam
de investimentos para poder competir com a veloz e poluente viagem aérea.
A rede internacional também reivindica uma
suspensão global da construção de aeroportos, políticas para promover economias
mais localizadas e proibição de publicidade de viagens aéreas, a exemplo da que
diversos países já impõem aos produtos de tabaco.
Arne Fellermann, da Amigos da Terra
Alemanha, que integra a rede Stay Grounded, também defende uma proibição dos
voos de curta distância em seu país. Até porque, até o momento, a indústria de
aviação deu poucos sinais de estar disposta a tomar qualquer iniciativa por
conta própria.
Em 2016, a Organização Internacional de
Aviação Civil (Icao), das Nações Unidas, lançou um acordo com o fim de tornar o
setor mais verde. Entretanto ele não continha qualquer medida para substituir
os combustíveis fósseis ou reduzir as emissões de gases do efeito estufa.
O pior de tudo, talvez, é que o documento
parte do princípio que a aviação civil continuará a crescer sem freios. Em vez
disso, a partir de 2021 o setor deverá compensar uma pequena parcela de suas emissões
investindo em projetos de proteção, no âmbito do Esquema de Redução de Emissões
da Aviação Civil Internacional (Corsia/Icao).
Vergonha de voar como sinal positivo
Em contrapartida, nos dois anos desde a
aprovação do Corsia, Ferry conseguiu reduzir suas emissões de CO2, de
espantosas 15 toneladas por ano para apenas quatro. Ou seja: mesmo sem voar,
ainda consome o dobro da parcela que tecnicamente lhe caberia no orçamento
carbônico global.
Mas ele segue se empenhando para reduzir
sua pegada climática e se recusa a se deixar abater pela escala do desafio.
"Não quero ser aquele cara que simplesmente diz: 'Parem de viver'",
afirma.
Em vez disso, o ex-atleta olímpico
considera significativas todas as decisões relativas ao estilo de vida,
independente do que a indústria faça para reduzir as emissões ou os políticos
empreendam para forçá-la a agir. E, no espírito do #flygskam, ele vê como sinal
positivo até mesmo a vergonha que os habitantes do planeta começam a sentir por
seus pecados climáticos.
https://www.terra.com.br/noticias/como-reduzir-o-impacto-ambiental-de-viajar-de-aviao,130a48b8640b1bffdffa1a515506775cng2baygj.html
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