29.10.10

Celular vai decolar em voos para passageiros

TAM lançará o serviço após processo que durou dois anos

Se a bordo de um avião, a 10 mil pés acima do nível do mar, é um dos poucos lugares na América Latina onde os celulares não funcionam, isso vai mudar nos próximos dias. A direção da TAM disse que lançará o serviço para os passageiros em novembro, depois de um longo processo, que durou cerca de dois anos, para certificar o sistema, homologar produtos e adequar o serviço à regulamentação das agências de Telecomunicações (Anatel) e Aviação Civil (ANAC). "Outras empresas [aéreas] estão com projetos de conectividade em voo, mas seremos os primeiros nas Américas", afirma o gerente da unidade de negócios da TAM e gestor do projeto, José Racowski.

Na verdade, será a primeira vez que passageiros da América Latina poderão usar o celular a bordo de um avião, garantiu ao Valor o executivo-chefe da OnAir, Ian Dawkins. Várias empresas integraram o projeto sob o guarda-chuva da Airbus, que detém a tecnologia em parceria com a OnAir, da qual é acionista. A Arycom, provedora brasileira de sistemas de comunicação via satélite e representante da Inmarsat, também se uniu à OnAir, que fornece a conectividade. Com isso, os passageiros terão acesso à internet em banda larga via satélite para uso de celular, transmissão de e-mails e de mensagem de texto e multimídia (SMS/MMS), além de poder navegar na web.

A OnAir também firmou acordos com as quatro grandes operadoras móveis brasileiras: Vivo, Oi, Claro e TIM. Os dispositivos nas aeronaves serão conectados às redes terrestres dessas empresas.

Brasil sai na frente dos vizinhos da América Latina com oferta que envolve as grandes operadoras nacionais.

Iniciado em 2008 pela OnAir, todo o processo para implantação e lançamento do serviço deveria durar poucos meses, segundo expectativa de Racowski, da TAM. Mas o trâmite não foi tão simples. Finalmente pronto para decolar, o serviço estará disponível inicialmente em uma aeronave, a A321, que faz voos domésticos (Sul, Guarulhos, em São Paulo, e Nordeste), estendendo-se, em alguns meses, para mais três aeronaves, de rotas e horários diversos. Em um ano, após todos os testes, poderá ser ampliado para a frota de 148 aeronaves. 

Os telefones ou outros dispositivos móveis são conectados a uma pequena rede celular instalada dentro do avião. Um modem transmite os dados e liga para o satélite, que distribui a comunicação de voz e dados para uma estação na terra, seguindo daí para os destinatários e vice-versa.

Os serviços se baseiam na quarta geração de satélites da Inmarsat, operadora dos satélites posicionados em órbita geoestacionária ao redor da Terra. [Esse tipo de órbita é circular e se processa sobre o equador da Terra, nos pontos de latitude zero. Sua rotação acompanha exatamente a rotação da Terra.] A solução é acessível às aeronaves registradas no Brasil por conta da licença concedida à Arycom pela Anatel para exploração de satélites estrangeiros Inmarsat-3 e Inmarsat-4, diz o executivo-chefe da Arycom, Svante Hjorth. Ele afirma que o sistema tem 99,98% de estabilidade e nunca falha: "O avião presidencial tem o nosso serviço."
Segundo a Arycom, esse sistema não interfere no funcionamento dos instrumentos de rádio-navegação das aeronaves e pode ser usado somente em altitude de cruzeiro, quando a aeronave se encontra a até 10 mil pés acima do nível do mar.

O serviço é considerado seguro para o voo porque o sistema gera um sinal de celular controlado dentro do avião. Quando os celulares são ligados, passam a operar com capacidade mínima. Um bloqueador impede que sinais externos interfiram dentro da aeronave. O gerente da TAM explica que pelo sistema atual, não controlado, ao ser acionado o celular tentará se comunicar com todas as torres em solo que estiverem ao seu alcance, operando em frequência e potência variáveis. O executivo afirma que até hoje nunca foi provado que o uso do telefone nessas condições seja seguro.

A TAM está treinando seus comissários para que saibam quando ligar ou desligar o sistema, bloquear o serviço de voz à noite e orientar os passageiros.

Os serviços da Arycom para o setor aeronáutico incluem o SwiftBroadband, que permite transmissão de voz e dados banda larga simultaneamente em velocidade de até 432 quilobits por segundo, suportando comunicações baseadas em protocolo internet (IP) e telefonia comutada, ou seja, a da rede pública.

Viajantes costumam levar aparelho

Segundo pesquisa recente apontada pela OnAir, 92% dos passageiros que viajam a negócios e 81% dos que estão a passeio carregam telefone celular ou algum dispositivo do tipo smartphone. Mais de 94% desses passageiros disseram que se tivessem oportunidade atenderiam chamadas durante o voo e acima de 78% responderam que fariam ligações e enviariam e-mails. Além disso, entre os passageiros que usaram os serviços de comunicação aérea da OnAir, 93% afirmaram que gostariam que estivessem disponíveis em todos os voos. Para a companhia, não há dúvida de que há demanda para esse tipo de comunicação.

A OnAir pertence à Sita, provedora de sistemas de tecnologia da informação para o transporte aéreo mundial, e à Airbus, fabricante de aeronaves. Nesse processo, a Airbus providencia a certificação necessária aos processos junto às autoridades ligadas à aeronáutica. A OnAir informa que já opera mais de 135 mil voos conectados com banda larga para 300 cidades, interligando passageiros de 75 países da Europa, Oriente Médio e África do Norte. A companhia já firmou acordos com 33 clientes em todo o mundo, dos quais 13 estão ativos.

Os passageiros usam seus próprios aparelhos e as ligações são tarifadas diretamente com o roaming internacional de suas contas de telefonia móvel. O passageiro receberá na sua conta de telefone o que foi gasto em comunicação no avião e nem perceberá que usou satélite, afirma o executivo-chefe da Arycom, Svante Hjorth.

A OnAir destaca que a aeronave conectada e equipada com telemedicina conta com um recurso importante para evitar pousos de emergência, com economia entre US$ 45 mil e US$ 225 mil por ocorrência evitada.

O executivo-chefe da OnAir, Ian Dawkins, disse que o serviço usa as tecnologias de rede móvel GSM e GPRS, que representam cerca de 82% da base global de telefonia celular. Passageiros com aparelhos CDMA não poderão usar o serviço, pois o padrão não faz parte da rede. É possível a conexão de 24 chamadas de voz simultaneamente a bordo da aeronave, comparado a apenas cinco nas versões anteriores da tecnologia de satélite, atualmente na quarta geração. Um número maior de conexões simultâneas não só expande o serviço para mais usuários, mas também aumenta a receita das companhias aéreas.

Para Anatel, dificuldade será plano de negócios aos grupos envolvidos

"A Anatel acompanha o serviço em aeronaves no exterior há oito anos. A grande dificuldade do serviço é o plano de negócios", afirma o gerente geral de comunicações móveis da agência, Bruno Ramos. "O negócio [principal] é a viagem aérea, para a qual querem acrescentar valor", diz Ramos. Em sua opinião, ainda falta verificar se o uso de celular a bordo será um fator decisivo para escolha da companhia aérea. Além disso, destacou que muitas pessoas não gostam de comunicação em avião, porque é o tempo que ficam livres do celular, segundo indicam relatórios dos Estados Unidos.

Em relação às tarifas, Ramos explicou que toda comunicação via satélite é baseada em preço livre e que a Anatel só deverá interferir se houver situação que cause conflito. Mas lembrou que se o serviço for caro, ninguém vai usar. Na verdade, o consumidor até usa o serviço, se não tiver opção, embora fique descontente.

O gerente da Anatel também não tem muita expectativa sobre o tráfego de comunicações, ao contrário das operadoras e da própria OnAir. Ramos justifica que a previsão que recebeu da OnAir é muito baixa. Entretanto, não revelou os números porque estava no México no momento da entrevista.

As empresas envolvidas no projeto não revelaram como será a forma de remuneração pelo serviço. A direção da TAM admite que a tecnologia é nova e, portanto, não sabe estimar quanto vai gerar de receita.

A comunicação por satélite é usada pelas companhias aéreas há muito tempo e, por isso, já tem autorização da Anatel. Ainda não é certeza se haverá necessidade de outra licença para a extensão do serviço aos passageiros, o que dependerá do detalhamento dos testes e relatórios que serão enviados à agência pelas empresas envolvidas no projeto.

TIM planeja criar regras de etiqueta para não haver incômodo em aviões

A oferta do serviço móvel para passageiros em aviões não deverá agradar a todos e vai exigir uma 'etiqueta de bordo'. Já é possível imaginar o blá-blá-blá generalizado e o fim do sossego de quem quer aproveitar a viagem para se desligar do cotidiano e descansar. Vai ter fim também a 'desculpa' de usuários que ficam incomunicáveis durante longas horas de voo.

A TIM deverá estabelecer suas regras de etiqueta para que não haja reclamações de outros passageiros. Uma das possibilidades é que os aparelhos sejam desligados durante a noite em voos internacionais. Outras empresas sugerem toques silenciosos de campainha em todos os horários.

As tarifas serão fixadas pelas operadoras de telefonia com base no roaming internacional, pois esse foi o entendimento da ANAC, afirma o gerente de estratégias e parcerias da TIM, Eduardo Henriques Resende. Embora o roaming tradicional e o aéreo sejam diferentes, ambos seguem as mesmas premissas, diz ele.

A guerra de tarifas pode passar do meio terrestre para o aéreo, com o subsídio de valores.
A TIM já oferece telefonia em aeronaves por meio da Air France, Emirates, BMI e Royal Jordanian, em parceria com a OnAir desde 2007, diz Resende. Por isso, ele diz acreditar que o modelo do serviço no Brasil precisará de alguns ajustes no início, principalmente na modelagem comercial e de custos. 

Cada operadora terá de buscar seu diferencial. Resende diz que os custos nos serviços via satélite são altos e precisarão ser reduzidos. A TIM oferece dados ilimitados no smartphone BlackBerry em roaming internacional por R$ 29,90 mensais. O gerente está confiante de que futuramente o uso do serviço será intenso em rotas para os Estados Unidos, por exemplo.
A Vivo, a Oi e a Claro foram procuradas pelo Valor, mas não deram entrevistas. Só confirmaram os respectivos acordos com a OnAir.

Fonte: Valor Econômico

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