Curta com imagens do aviador aos 28 anos é redescoberto por cineasta em um raro mutoscópio, no museu do Ipiranga, em SP
Fotos Coleção Santos Dumont/Acervo do Museu Paulista/USP |
Seqüência de fotogramas em que Dumont explica seu balão dirigível a nobre inglês, filmados provavelmente em 1901, em Londres, e restaurados por Carlos Adriano a partir de cartões fotográficos
Em pé, um homem de cabelo dividido ao meio e bigode se dirige, com ar composto de professor, a um observador atento que permanece sentado e às vezes interage com ele.
O que restou desta cena, registrada em película há mais de cem anos, dura pouco menos de um minuto e teria valor apenas no domínio da arqueologia do cinema se o personagem em pé, então com 28 anos, não fosse o aviador Alberto Santos Dumont (1873-1932).
As imagens correspondem ao curta-metragem "Santos Dumont Explaining His Air Ship to the Hon. C.S. Rolls" (Santos Dumont explicando seu balão dirigível ao Honorável C.S. Rolls), filmado provavelmente entre 22 e 28 de novembro de 1901, em Londres, pela filial britânica da produtora American Mutoscope & Biograph Company, e exibido pela primeira vez em 3 de dezembro de 1901, no Palace Theatre, também na capital britânica.
Não se conhecia mais nenhuma cópia do filme até que o cineasta Carlos Adriano, 41, resolveu pesquisar um artefato cinematográfico mantido no acervo da sala Santos Dumont do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, no Ipiranga.
De acordo com o termo de doação da família, era uma "roda cinematográfica"; segundo a catalogação do museu, que o incluiu na seção "outros", tratava-se de um "cinetoscópio".
Certo de que não era nem uma coisa nem outra, Adriano desconfiava de que fosse algo raríssimo, um mutoscópio (leia quadro ao lado), e de que os 1.322 cartões fotográficos guardados em seu carretel (658 com imagens e 664 brancos ou pretos) representassem um registro de Santos Dumont que merecia investigação detalhada.
Em 2004, decidiu transformá-la em matéria-prima de seu doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP.
No último dia 11 de agosto, a tese foi aprovada "com distinção e louvor" pela banca, que avaliou o trabalho de um pesquisador-cineasta, ou cineasta-pesquisador, como o próprio Adriano se define.
Em dois volumes, que começa a preparar para publicação, ele fez um estudo do dispositivo e da produtora Mutoscope, da visualidade em Santos Dumont, dos processos de restauração e do uso de materiais de arquivo no cinema.
"Santoscópio"
Além disso, a tese -que recebeu bolsa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)- compreendeu também um curta-metragem experimental de 14 minutos e meio, "Santoscópio = Dumontagem", realizado por ele a partir do material encontrado no mutoscópio (e que, na velocidade de restauração, tem 52 segundos e 16 quadros).
A Folha assistiu na última quinta-feira, no estúdio do editor de som Eduardo Santos Mendes, professor da ECA-USP, à versão quase finalizada do curta, que deverá ser concluído no próximo mês (leia texto à direita). A primeira exibição pública, no entanto, ainda vai demorar.
"Espero lançá-lo em julho de 2009, mesmo mês em que Santos Dumont nasceu [no dia 20, em 1873, em Minas Gerais] e morreu [no dia 23, em 1932], junto do documentário sobre a descoberta que começarei a filmar em setembro, com patrocínio da Petrobras, por meio das leis de incentivo do Ministério da Cultura", conta Carlos Adriano.
"Pré-cineasta?"
O documentário tem o título provisório de "Santos Dumont Pré-Cineasta?" e será uma espécie de desdobramento da "investigação histórica, conceitual e artística" que Carlos Adriano empreendeu para a tese, orientada na USP pelo professor Ismail Xavier.
"A cena que aparecia nos cartões do mutoscópio era muito enigmática", lembra Adriano. "Só no final da pesquisa, por exemplo, consegui descobrir o título do filme", completa.
Interessado pelos aspectos conceituais do cinema, Adriano viu também ali, na aula ministrada a Rolls (que viria a ser fundador da Rolls-Royce) por Santos Dumont, a "própria idéia do cinema se expressando como pensamento em ação" e "um patrimônio esquecido do audiovisual brasileiro".
Fonte: Folha de SP
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