20.12.12

A “menina fujona”


(por Flavia Trece)



Em meados do século passado as moças tinham o costume de se casar cedo. Com a cearense Hellyett Walker de Medeiros não foi diferente, mas no seu caso, o bom partido que havia encontrado era o céu. Em 1940, a menina de 16 anos que sonhava em ser aviadora fugiu da casa dos pais em Fortaleza, embarcou num navio disfarçada de homem e veio para o Rio de Janeiro com uma determinação: pedir ao então presidente da República, Getúlio Vargas seu apoio para ingressar no Aeroclube do Brasil.

A “menina fujona”, como ficou conhecida na época, embarcou no navio Duque de Caxias dizendo-se órfã e se apresentando como Heitor Silva Weiler. Sua irmã mais nova, Gelta Siqueira lembra com detalhes do dia em que tudo aconteceu. “A gente não desconfiou de nada. Ela pegou uma roupa emprestada com o nosso tio, cortou o cabelo à la homme, e entrou no navio”, relembra aos risos. Em entrevista ao jornal O Globo de 28 de novembro de 1940, Hellyett contou como foi a preparação para a fuga. “Há cinco anos que eu alimentava silenciosamente esse projeto. Todos foram contra mim. Mas eu tinha que ser aviadora de qualquer jeito. E agora só quero conseguir uma audiência com o chefe da nação para obter meios de fazer o curso”, contou.

O disfarce masculino não durou por muito tempo e quando descobriram que o Heitor era Hellyett, todos queriam conhecê-la. “Ela ficou famosa, o navio todo já sabia da história. Quando chegou ao Rio já tinha um monte de jornalista esperando sua chegada”, conta Gelta. Em menos de quinze dias na cidade ela foi recebida pelo então governador, general Mendonça Lima, que relatou ao Ministério da Aviação todos os Helyett e seu avô. 

Logo em seguida conseguiu uma audiência com Getúlio Vargas, que ficou admirado com a história. “Menina cearense você é de fato, mas agora você também é propriedade do governo”, declarou o presidente.

No ano seguinte, Hellyett ingressou no Aeroclube do Brasil, onde era a única mulher de uma turma de 29. Sua dedicação pela profissão logo teve reconhecimento. No fim do curso ela se classificou como a terceira melhor aluna da sala, mas no dia da formatura, quando a aviadora recebeu seu diploma, percebeu que havia algum mal entendido.

Relembrando o jeito irreverente de sua mãe, Leila Walker conta que ao abrir o certificado ela percebeu que tinha recebido uma permissão para voar, e não o brevê, como todos os outros. “Como a mamãe não tinha papas na língua, ela rasgou a permissão que deram para ela na frente de todo mundo. Uma segunda cerimônia de formatura foi realizada para ela receber o brevê”, explicou a filha.

Ainda em 1941, ela conquistou o segundo lugar na prova Circuito Cruzeiro do Sul, uma das mais conceituadas no meio da aviação. Leila conta que Hellyett até hoje não aceita o título de vice-campeã por causa de uma sabotagem da concorrente que ganhou o primeiro lugar, a aviadora Nézia Pinheiro. “A mamãe já estava entrando na reta final para o pouso, quando a Nézia emparelhou ao lado dela e bateu com a asa no avião.

Como ela não imaginava essa atitude da concorrente, perdeu a estabilidade e teve que fazer a volta para entrar na reta de pouso novamente”, relata Leila.

Hellyett Walker Siqueira

Depois disso não parou mais de pilotar, trabalhou como instrutora de voo, fez viagens com turistas e atuou na campanha da Força Aérea Brasileira para a formação de novos pilotos. Em uma de suas viagens, enquanto sobrevoava Minas  Gerais, o avião de Hellyett teve uma pane e caiu num pântano. Diversos jornais noticiaram sua morte, mas o maior prejuízo que a aviadora teve foram algumas sanguessugas agarradas à pele.

Hellyett conquistou o seu lugar na história da aviação brasileira, principalmente em relação ao espaço da mulher nesse mercado. A primeira piloto de linha aérea do país, Lucy Lúpia, dedicou algumas páginas do livro Sobrevivente à trajetória de Hellyett. 

“Foi uma maneira que eu encontrei para deixá-la eternizada”, declarou Lucy.

Ela foi uma mulher muito à frente de seu tempo, viveu histórias que seriam difíceis de acreditar se não estivessem registradas em jornais da época. A “menina fujona” guarda suas façanhas em algum lugar da memória, mas por causa de problemas de saúde, Hellyett perdeu a lucidez. Sua trajetória continua viva através de seu filho Luis Tito Walker, que herdou a paixão da mãe por voar. “Desde pequeno eu já me interessava pela aviação. Em casa, eu ficava pulando com o guarda-chuva aberto como se fosse um paraquedas. Sem dúvidas ela me incentivou e me ajudou a ter certeza que eu estava certo na minha escolha”, conta. Piloto da Varig por mais de 30 anos, Tito agora apóia seu filho, Derek Walker, que também está seguindo os passos da avó. Hellyett contribuiu não só para a história da aviação, com sua ousadia, como também transmitiu toda sua paixão pelos céus para outras gerações.

http://www.anac.gov.br/formacaoaerea    

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