11.9.08

Varig se despede das rotas internacionais para salvar a Gol

No último dia 31 de agosto, um Boeing 767 azul e branco, com uma rosa-dos-ventos dourada estampada na cauda, decolou do Aeroporto Charles de Gaulle, nos arredores de Paris. O avião que aterrisou no Aeroporto Internacional de Guarulhos na manhã do dia primeiro de setembro marcou o fim à história de 66 anos de operações internacionais da Varig, que desde 1942 representa o Brasil no exterior.
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Para a família Constantino, dona da Gol e controladora da Varig, este vôo representou um alívio para as contas do grupo. Um ano após comprar a concorrente por R$ 320 milhoes de doláres, eles perceberam que, ao cruzar os mares, corriam o risco de encerrar prematuramente a própria aventura aérea.
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Exagero? Não! O prejuízo da Gol no primeiro semestre chegou a 290,9 milhões de reais. Ou seja, mesmo o lucro da empresa na casa de 243,8 milhões de reais não foi suficiente para fechar as contas. As companhias pagaram para voar em 2008. Antes da compra da Varig, anunciada em março de março de 2007, a Gol era apontada, em todo o mundo, como um dos maiores cases de sucesso da história recente da aviação comercial, com lucros fabulosos.
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Apontar a Varig como o pivô da crise da Gol é quase obviedade. Uma era o ícone da nova era da aviação brasileira, com administração moderna, estrutura enxuta e resultados gordos. A outra encarnava os velhos problemas do setor, extremamente endividada e com o futuro mais ligado aos tribunais do que aos aeroportos. Difícil é entender o que levou os Constantino a embarcar no turbulento vôo da ex-concorrente. Segundo fontes ouvidas pela revista CartaCapital, a explicação esbarra no próprio modo de fazer negócios da família, um misto de trabalho, senso de oportunidade e influência política.
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Mineiro de Patrocínio, de origem humilde, Constantino de Oliveira, o seu Nenê, hoje com 76 anos, ergueu seu império a partir da idéia de levar pau-de-arara, expressão usada para o transporte de nordestinos, em caminhões, para a Região Sudeste. Começou com uma linha que ligava a cidade natal a Belo Horizonte. Hoje o grupo batizado com o name da mulher, Áurea, reúne cerca de 40 empresas de transporte, donas de uma das maiores frotas de ônibus do mundo, com quase 10 mil veículos, além do braço aéreo.
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As empresas de ônibus atuam em mais de uma centena de cidades brasileiras e ainda são a mairo fonte de faturamento do grupo. Conquistar espaço no mercado de trasnporte de passageiros das grandes capitais, como se sabe, exige competência e tráfego político. Embora não seja afeito a aparições sociais, Nenê cultivou relações escolhidas a dedo. O melhor exeplo é a amaizade com Joaquim Roriz, governador do Distrito Federal em quatro ocasiões e ex-senador.
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Entre 2005 e 2006, um decreto de Roriz deu às empresas de ônibus a isenção do pagamento de Imposto sobre Serviços (ISS). Em 4 de julho de 2007, Roriz, então no Senado, renunciou ao mandato para escapar de um processo por quebra de decoro parlamentar. Gravações feitas pela Polícia Federal revelaram conversas dele com o ex-predidente do Banco Regional de Brasília (BRB) Tarcísio Franklin de Moura, sobre a partilha de um cheque de 2,2 milhões de reais emitido por Nenê Constantino.
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Outra das polêmicas que envolveram o grupo diz respeito às dívidas tributárias. Somadas, as empresas deviam quase 400 milhões de reais ao INSS, de acordo com a última divulgação do cadastro de devedores da Previdência, de setembro de 2007. A lista foi tirada do ar depois que a arrecadação previdenciária foi transferida para a Receita Federal, no fim do ano passado.
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O namoro de Nenê com o setor aéreo começou tarde, quando ele estava próximo dos 70 anos de idade. Guiado pelo engenheiro José Carlos Mello, especialista em aviação, o empresário tentou caminhos mais curtos antes de fundar a própria companhia. Negociou a compra da Transbrasil e da Vasp. No último caso, a conversa não avançou, porque Wagner Canhedo, além de presidir a aérea, era também o dono da maior concorrente dos Constantino em Brasília, a Viação Viplan.
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Com a crise financeira das companhias aéreas, o empresário percebeu que o caminho mais simples seria ocupar o espaço das concorrentes. A Gol decolou em janeiro de 2001, mas não foi a única a tentar a estratégia. Meses depois, a Fly entrou na briga, também com a proposta de vender de vender passagens mais baratas. Por que, então, só Constantino foi bem-sucedido? O lado mais famoso da hsitória aponta a frota moderna, composta dos Boeing 737 de nova geração e os sistemas avançados de gestão. Há, também, uma versão pouco divulgada, que leva em conta, mais uma vez, as boas relações do grupo.
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Desde a juventude, quando estudou no colégio militar em Barbacena (MG), Mello, o braço direito de Nenê, matém uma amizade com Venâncio Grossi. Ambos fizeram carreira na aviação brasileira. Um formou-se engenheiro pelo ITA e cresceu como consultor da área privada. O outro avançou na carreira militar, graduou-se brigadeiro e, à época da criação da Gol, era diretor-geral do Departamento de Aviação Civil (DAC), principal órgão regulador da atividade.
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Essa amizade tenha ou não pesado, o fato é que a Gol, no início das operações, pôde atuar exclusivamente em rotas rentáveis e conseguiu ganhar espaço no Aeroporto de Congonhas, o mais movimentado do País. Hoje reformado, o brigadeiro Grossi abriu uma empresa, a VG Assessoria e Consultoria Aeronáutica, e presta serviços para a Gol.
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Depois de voar por cinco anos em céu de brigadeiro, como se diz no jargão do setor, os donos da Gol enxergaram na compra da Varig a possibilidade de dar um salto e ultrapassar a TAM, com quem disputa, em ligeira desvantagem, a liderança no setor aéreo. Para sair na frente da concorente, seria preciso contar com o apoio do governo, interessado em salvar a companhia e manter a presença do grupo brasileiro nos principais aeroportos do mundo. A situação delicada da Varig havia sido amenizada pela nova Lei de Falências, que permitiu a divisão da empresa em duas partes, isolando o peso das dívidas e processos trabalhistas em uma delas.
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A ministra Dilma Rousseff, a pedido do presidente Lula, havia chegado a amrcar uma reunião fora da agenda, com os presidentes da Gol e da TAM (à época, Marco Bologna), para verificar a possibilidade de as duas empresas adminsitrarem, em joint venture, apenas a parte internacional da Varig. Depois de estudar, de forma independente, os riscos envolvidos no negócio, ambos desistiram. Daí a surpresa da TAM quando, quando, em março de 2007, a Gol anunciou a compra da Varig. O único fora da empresa a saber do negócio seria Roriz, que chegou a comentar com jornalistas a aquisição em uma festa em Brasília.
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O advogado da Varig, Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula, teria tranquilizado os Constantino quanto aos riscos de sucessão de dívidas. O juíz Luiz Roberto Ayoub, responsável pelo processo de recuperação judicial da Varig, alargou o prazo para a retomada das rotas internacionais. E os Constantino foram recebidos no Palácio do Planalto para assinar o contrato. Manter os vôos ao exterior seria uma espécie de contrapartida à boa vontade do governo.
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A estratégia indicava que a Gol conseguiria, de novo, voar mais rápido que a concorrência. A não ser por dois fatores externos. Logo de cara, havia a dificuldade de encontrar, no aquecido mercado internacional, aviões disponíveis para realizar vôos intercontinentais. Depois veio a escalada do preço do combustível, principal componente de custo das companhias aéreas. "Condenar a Gol a posteriori é fácil, mas, quando a compra foi anunciada, sobraram aplausos", diz o consultor Paulo Sampaio, da Multiplan.
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O especialista acredita que, depois de cortar as linhas internacionais, substituir os velhos aviões da Varig pelos modernos Boeing 737-700 e 800 e contar com a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) à fusão, a companhia terá chance de retomar a trajetória de crescimento. "A Gol poderá unificar a malha de vôos, o sistema de vendas e o atendimento. Vai retomar o foco inicial, como uma empresa de baixo custo", explica.
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Nas últimas semanas, a Gol mostrou-se disposta a fazer os ajustes necessários para retomar o vôo. Os acionistas, em assembléia, decidiram suspender o pagamento de dividendos até o fim deste ano. Assumiram o custo de fechar as bases no exterior. O plano de expansão de frota foi revisto, e a empresa chegará a dezembro com 104 jatos, e não os 108 anunciados antes. Medidas que podem dar um alívio à empresa, mas não são bem-vistas pelos investidores. Em três anos, os papéis perderam mais de 60% do valor.
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Nos próximos meses, os Constantino vão mostrar se são capazes de lidar com os velhos vícios do setor áereo brasileiro, trazidos por eles mesmos para dentro de casa.
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Fonte: André Siqueira da CartaCapital (adaptado) -- Blog Meio Aéreo

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