10.9.09

Aguarde os próximos capítulos (Gianfranco Beting)


Boeing e Airbus. Airbus e Boeing. Os dois maiores fabricantes do mundo travam uma guerra sem fim, com vitórias expressivas e reveses constrangedores de ambos os lados. Cada companhia bate no peito e brada aos quatro ventos suas novas conquistas. A história começa desde meados dos anos 80, quando a Airbus realmente começou a ganhar momento.

Primeiro, o ataque ao Boeing 767, desfechado pelo A310. Depois, foi a vez da Boeing lançar o 777 para vê-lo disputar cada palo de terreno contra a dupla A330/A340. Depois seria a vez do sucesso inegável da família A320 enfrentar formidável competição nos Boeing 737 Next Generation. E em meados da década, a briga ficou acirrada na categoria peso-pesado: o nascimento do A380 colocou ponto final na hegemonia do Jumbo 747, uma máquina de fazer dinheiro para a fábrica de Seattle desde os anos 70. Isso sem falar dos sucessores do A320 e 737. Mas esta outra batalha - uma das mais importantes - vai ficar para outro editorial.

Quando os quatro ases europeus, A330-200, A330-300, A340-500 e A340-600 pareciam ganhar terreno contra a dupla 767/777, a Boeing deu um enorme passo adiante, ao lançar o ultra-avançado Boeing 787 Dreamliner. A máquina fez seu "roll-out" na simbólica data de "7/8/7" (oito de julho de 2007) com a promessa de entrada em serviço em maio de 2008.

O que todos sabem é que o novíssimo jato, que amealhou um número recorde de encomendas (914), desde então não conseguiu sair do chão, estabelecendo outro recorde, este constrangedor: a aeronave que mais tardou para fazer seu primeiro voo desde que oficialmente apresentada em seu roll-out. Seja como for, a Boeing, que chegou a contabilizar 914 encomendas para o jato - antes de 49 cancelamentos imputados à crise mundial - hoje luta para colocar o primeiro 787 em serviço em princípios de 2010. Um atraso de quase dois anos.

Era tudo o que a Airbus precisava. Coçando a cabeça com as vendas estagnadas dos modelos A340, o fabricante europeu tratou de oferecer um concorrente à altura do 787. Nascia então o formidável A350 XWB (Xtra Wide Body). Concebido desde o princípio como uma família de três modelos (A350-800, 900 e -1000), os marqueteiros de Toulouse logo entenderam que o tempo e o mercado perdidos para o Dreamliner deverim ser empregados para a construção de uma nova plataforma que incorporasse todos os ganhos e avanços do 787 e fosse além. De novas tecnologias de motores a interiores redesenhados; de janelas enormes, bem maiores que as atuais, à novos compostos para a construção da fuselagem; de revolucionários sistemas de navegação a suítes privativas na "coroa" da fuselagem, o céu parece ser o limite para os muitos avanços incorporados ao projeto XWB.

O primeiro modelo, A350-900, deve voar nos primeiros meses de 2012, com a primeira entrega em meados de 2013, seguidos depois pelo encurtado A350-800 e pelo alongado A350-1000. A TAM é uma das clientes das versões 800 e 900 deste novíssimo Airbus.

Propalado pelo fabricante europeu como o "Matador de 777", o A350-1000 deve encontrar uma formidável oposição. A Boeing fez saber, recentemente, que estuda uma plataforma completamente nova para enfrentar o A350 e substituir os modelos 777. Nas palavras do executivo da Boeing, Kostya Zolotusky, o novo modelo (797?) será simplesmente "vastamente superior" ao A350 XWB. Foi assim que Kostya referiu-se ao eventual sucessor do Boeing 777, durante recente conferência da Boeing para seus investidores, realizada em Londres.

O fato é que esse jogo de pega-pega movimenta muito mais do que os bilhões de dólares consumidos no desenhos, logística de manufatura, programas de testes e entregas de centenas de aeronaves. A indústria aeronáutica é percebida pelo público em geral como uma das maiores fontes geradoras de ONB - Orgulho Nacional Bruto. Fácil perceber: qual brasileiro não bate no peito, olhar rútilo e perdido no horizonte, quando se lembra do sucesso da Embraer?

Assim, esse aparentemente infindável dogfight entre Boeing e Airbus mexe com Washington e, do outro lado da lagoa, com Londres, Paris, Madri e Berlim. Coloca em franco antagonismo os parceiros do Bloco Europeu e os peles-vermelhas de Obama & Cia. Ltda.

Mais do que uma disputa comercial, o que se trava é uma guerra de nações, ainda que todas estejam ideologicamente alinhadas. O bloco soviético está fora do páreo. O asiático, ainda não entrou na disputa.

De toda forma, observa-se que velhas rusgas afloram, dando livre decolagem ao aparentemente inesgotável ressentimento europeu diante do sucesso dos norte-americanos. E à inveja yankee da classe e savoir-faire do Velho Continente. Daí ee um pulo para que ataques verbais escalem para ameaças de retaliações comerciais. Governos, tecnocratas, jornalistas e apaixonados vão de roldão, alimentando uma pendenga do tipo rosca-sem-fim, comemorando os fracassos do inimigo.

O programa do 787 está dois anos atrasado? U-lá-lá, brindam os gauleses. O A350 teve sua fuselagem completamente redesenhada, atrasando o programa mais um ano? I'll drink to that! tilintam as taças em Seattle. O A380 está mais pesado do que o previsto? Great! O Boeing 747-8 não encontra compradores? Wunderbahr!

O fato é que a crise mundial, com seu forte odor de prolongada e amarga recessão, pode ter diminuído a capacidade dos operadores em financiar e justificar seus programa de reequipamento. Mas, paradoxalmente, dá maior impulso ao fabricantes para que estes desenvolvam aeronaves cada vez mais econômicas, eficientes, ecologicamente respeitosas e mercadologicamente sedutoras a operadores e passageiros.

O A380 está voando. Em meses, será a vez do 787 e logo depois, o 747-8. Então será a vez do A350 XWB. As novidades vem vindo aí, alimentando essa nova guerra comercial. Aguarde os próximos capítulos.

G. Beting (www.jetsite.com.br)

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