16.4.15

AEROPORTOS BRASILEIROS - SEGURANÇA E QUALIDADE

por Luiz Carlos de Avellar Jr, em 15.04.15

"O Transporte Aéreo possui características especiais que o distinguem dos demais modais. A grande competição e a constante necessidade de regularidade e pontualidade exigem, cada vez mais, medidas precisas para aumentar a sua eficiência e, sobretudo, sua segurança.

Neste contexto, destacam-se os compromissos internacionais que impõem ao Brasil, assim como aos demais Estados-membros da Organização de Aviação Civil Internacional – OACI, o cumprimento dos padrões e práticas recomendadas (SARPs – Standards and Recommended Practices), descritos nos Anexos à Convenção de Aviação Civil Internacional – CACI, assim como os padrões de capacidade e níveis de serviço mundialmente consolidados para o transporte aéreo.

Desde a década de 90, os Estados-membros da OACI têm sido instados por aquele organismo internacional a estabelecer sistemas de certificação de aeródromos e procedimentos operacionais cada vez mais sofisticados, no sentido de garantir maior segurança operacional das instalações, serviços e equipamentos. Por outro lado, a conscientização dos direitos dos passageiros, cristalizada nos momentos da crise vivida na aviação civil brasileira, principalmente nos últimos dez anos, transformou os usuários do transporte aéreo em nosso País em passageiros mais exigentes e cônscios de seus direitos. 

Em consequência, além da solução das deficiências já existentes de nossa infraestrutura, o desenvolvimento do setor deverá provocar a construção de uma estrutura maior e mais complexa nos próximos anos, não apenas como consequência dos compromissos assumidos, há décadas, com a OACI ou por conta do acelerado crescimento da aviação civil e das novas políticas de concessão e investimentos, mas também pela necessidade de atender às exigências de usuários mais demandantes no Brasil, que vive hoje um interessante momento de amadurecimento na consciência de seus cidadãos.

Além disso, o compromisso de sediar dois dos maiores eventos esportivos mundiais desta década, a Copa do Mundo, já realizada em 2014, e as Olimpíadas de 2016, trouxe para o Brasil, não apenas as benesses inerentes à oportunidade de receber estes destacados episódios desportivos, mas apresenta também desafios a serem sobrepujados para que o País tenha o sucesso desejado na realização destes torneios internacionais maiúsculos. 

Neste caso, com relação especificamente às Olimpíadas do próximo ano e à oferta da infraestrutura necessária para receber o volume de turistas, atletas, jornalistas, executivos e fãs do esporte, de todas as partes do planeta, nos aeroportos do Rio de Janeiro, principalmente no Galeão, deve ser considerada um dos maiores desafios para a gestão aeroportuária ao longo dos próximos meses. 

Neste sentido, para que a imagem do Brasil, frente à comunidade internacional, não fique comprometida, a Capacidade de processar passageiros e aeronaves, assim como os aspectos da Segurança Operacional (Safety) e, talvez principalmente, os da Segurança Civil (Security) representam considerações que devem ser contempladas tanto pelos administradores aeroportuários e empresas aéreas quanto pelas autoridades nacionais da aviação civil.

Considerando tais ponderações sobre a oferta de Capacidade, Segurança Operacional e Segurança Civil aeroportuárias, deve-se destacar que existem referências, nacionais e internacionais, que motivam a busca pela solução das questões relacionadas a estes temas e que fornecem as referências legais e técnicas, imperativas e necessárias.

Internacionalmente, em atenção à Organização da Aviação Civil Internacional – OACI, esta argumentação se fundamenta especificamente no Artigo 28 da Convenção de Aviação Civil Internacional – CACI, onde todos os 190 Estados signatários, entre eles o Brasil, se comprometem a prover aeroportos e serviços de navegação aérea em conformidade com as normas e métodos recomendados pela OACI.

Considerando-se o arcabouço legal e normativo brasileiro, a Constituição Federal, de 1988, institui que compete à União: explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária. 

Não obstante, o Código Brasileiro de Aeronáutica – CBA, marco regulatório mais elevado para a aviação nacional, assegura em suas Disposições Gerais que: o Direito Aeronáutico será regulado pelos Tratados, Convenções e Atos Internacionais de que o Brasil seja parte, por este Código e pela legislação complementar. E mais: que os Tratados, Convenções e Atos Internacionais, celebrados por delegação do Poder Executivo e aprovados pelo Congresso Nacional, vigoram a partir da data neles prevista para esse efeito.

Em complementação, a Lei que criou e definiu as funções da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, estabelece que: compete à União, por intermédio da ANAC e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária. E descreve ainda que: a ANAC, no exercício de suas competências, deverá observar e implementar orientações, diretrizes e políticas estabelecidas pelo Conselho de Aviação Civil – CONAC, especialmente no que se refere à representação do Brasil em convenções, acordos, tratados e atos de transporte aéreo internacional com outros países ou organizações internacionais de aviação civil. 

Além disso, o Artigo 8º da Lei 11.182 estabelece que compete também à ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade, devendo, entre outras atividades: realizar estudos, estabelecer normas, promover a implementação das normas e recomendações internacionais de aviação civil, observados os acordos, tratados e convenções internacionais de que seja parte a República Federativa do Brasil; promover, junto aos órgãos competentes, o cumprimento dos atos internacionais sobre aviação civil ratificados pela República Federativa do Brasil; regular e fiscalizar a segurança da aviação civil, a facilitação do transporte aéreo; regular e fiscalizar as medidas a serem adotadas pelas empresas prestadoras de serviços aéreos, e exploradoras de infraestrutura aeroportuária; e regular e fiscalizar a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, com exceção das atividades e procedimentos relacionados com o sistema de controle do espaço aéreo e com o sistema de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos. 

Não obstante, a conformidade de todas as instalações aeroportuárias e dos serviços de transporte aéreo requer o exercício permanente das atividades de vigilância quanto a Capacidade, Segurança Operacional e Segurança Civil em todo o País, e é de responsabilidade intransferível do Estado, uma vez que este serviço público Federal é realizado diretamente pelo próprio Estado ou mediante sua autorização, concessão ou permissão, conforme descrito na Constituição Federal de 1988. 

Para tanto o Estado Brasileiro se compromete no desenvolvimento e observância de leis e regulamentos nacionais que permitem a aplicação em seus territórios das disposições estabelecidas tanto na Convenção de Chicago quanto na Constituição Federal. No entanto, no desempenho de suas obrigações de implementação desse arcabouço legal e normativo, os Estados podem adotar diferentes abordagens que, hipoteticamente, podem se situar entre os dois extremos descritos a seguir.

Primeiramente consideremos que fossem estabelecidas medidas muito restritivas de um determinado Estado, que viessem interferir diretamente em todos os procedimentos e ações dos provedores de infraestrutura aeroportuária e serviços de transporte aéreo. Esta interferência extrema tem limite a partir do qual se torna impraticável, uma vez que não há condições de que estruturas governamentais cresçam indefinidamente para acompanhar o crescimento das atividades da aviação civil. Tal situação, de busca por uma atuação onipotente, poderia levar ao descrédito e à desmoralização do Sistema de Aviação Civil Nacional, com sérios prejuízos à eficiência e à sua segurança. 

Em contrapartida, consideremos um Estado excessivamente complacente e passivo, que relegasse o exercício de sua responsabilidade intransferível, perante a Convenção de Chicago e diante de sua própria Constituição e arcabouço legal, e que permitisse aos provedores de serviços e de infraestrutura aeroportuária o livre exercício de suas atividades sem uma eficaz supervisão quanto ao cumprimento dos requisitos técnicos e legais. Esta atuação apática e distante implicaria que neste Estado os problemas e as deficiências dos provedores de infraestrutura aeronáutica só seriam conhecidos nas investigações dos acidentes aeronáuticos já ocorridos, após a perda de vidas e da ocorrência de prejuízos materiais lastimáveis.

São dois extremos indesejáveis, acredito, mas que poderiam seduzir as autoridades brasileiras, de acordo com suas pretensões no âmbito da aviação civil. Se por um lado tendências estatizantes tendam a impor a utopia do Estado onipresente e onisciente, por outro há tendências que supervalorizam interesses econômicos, gerando uma autoridade débil, preocupada exclusivamente com a rentabilidade dos negócios, porém, incapaz de assegurar uma prestação de serviços que observe os níveis mínimos de qualidade e de segurança.

No Brasil, com a reformulação do Sistema de Aviação Civil Nacional, através da extinção do Departamento de Aviação Civil – DAC e da criação da ANAC, pode-se acreditar que estariam afastadas as possibilidades de se inclinar para uma tendência de um Estado onipotente. Entretanto, é preciso ficar atento para que as atuais autoridades aeronáuticas não se aproximem perigosamente do extremo oposto, especialmente, no momento em que está se reestruturando para fazer frente às necessidades da aviação civil brasileira para as próximas décadas, mas também para enfrentar um desafio maiúsculo como sediar os Jogos Olímpicos de 2016. 

Muito embora caiba a cada administração aeroportuária ou provedor de serviços aéreos o fornecimento adequado da Segurança Civil (Security) e Operacional (Safety), assim como a garantia de que suas operações ocorrerão com um nível aceitável de capacidade no processamento de aeronaves e passageiros, as autoridades aeronáuticas brasileiras devem atuar, de forma permanente e sistemática, em cada setor de infraestrutura aeroportuária e aeronáutica, para que a Segurança (Safety e Security) e o volume de operações não venham a atuar próximo demais aos limites definidos pela regulamentação nacional e internacional."

por Luiz Carlos de Avellar Jr, em 15.04.15



Luiz Carlos de Avellar Jr é Engenheiro formado pela UFF, Mestre em Engenharia de Transportes pela UFRJ (com foco de pesquisa na área de Planejamento de Transportes); trabalhou entre 1986 e 2008 no DAC/ANAC, mais especificamente no Instituto de Aviação Civil – IAC. Atualmente é Diretor Técnico do Instituto Nacional para o Desenvolvimento Espacial e Aeronáutico – IDEA, além de prestar consultorias individuas nacionais e internacionais, 56 anos, pai (Luiza 26 anos / Juliana 24 anos / e Antônio 3 anos...), casado, carioca e tricolor... e também apaixonado pela Aviação Civil.

2 comentários:

rrdpereira disse...

Prezado Luiz Carlos,
há alguma referência para o uso da expressão "Segurança Civil" para indicar a atividade de "Aviation Security"?

Minha pergunta é uma curiosidade, tendo em vista ser comum no arcabouço regulatório brasileiro o uso de outras expressões, tais como: "segurança da aviação civil", "segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita", "segurança contra atos de interferência ilícita", "proteção da aviação civil".

Att.

Rafael Matera disse...

Resposta do Avellar:

"Caro Rafael R. D. Pereira,

Antes de mais nada, muito obrigado pela pergunta absolutamente perspicaz e pertinente.
De fato, não há qualquer referência oficial para o uso do termo "Segurança Civil " como tradução de "Security".
Por vezes, a língua inglesa se mostra bem mais objetiva e, especificamente neste caso, o fato do idioma inglês ter duas palavras distintas para dois tipos diferentes de Segurança utilizados na aviação (Safety e Security) tem se mostrado, a meu ver, um desafio ainda não sobrepujado pelos tradutores e legisladores nacionais, que chegam a usar frases inteiras para tentar traduzir um único termo, como você bem exemplificou: "segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita" ou "segurança contra atos de interferência ilícita".
Alias, estas frases acima são parte ou o todo da tradução do subtítulo do Anexo 17 da OACI, que se intitula tão somente "Security".
Assim, aproveitei o artigo publicado no Direto da Pista também para, indireta e sutilmente, abordar esta questão e mostrar minha crítica às traduções/adaptações para o termo Security ainda em uso no Brasil.
Não sei se minha sugestão (Segurança Civil) é melhor que qualquer outra ou muito menos definitiva , mas, via Direto da Pista, seguiu minha sugestão.
Mais uma vez, obrigado por ter percebido esta sutileza em meu texto e por ter trazido este assunto à baila.

Atenciosamente.

Luiz Avellar Jr"