9.6.15

As Agências Reguladoras e a Responsabilidade Civil do Estado (por Cmte. Tito Walker)

 por Cmte. Tito Walker (09.06.15)*

"Seguindo a linha muito feliz inaugurada pelo Cmte Paulo Calazans, de trazer ao debate do blog temas que realmente interessam aos que vivem, gostam de Aviação Civil e com ela se preocupam, dentro de minhas capacidades, lógico sem o brilhantismo dele, venho trazer à análise dos colegas algumas reflexões por mim consideradas pertinentes. 

Há mais de um ano após minha saída compulsória da Anac, venho cursando, na FGV, LL.M em Direito do Estado e da Regulação. Dia 1 de junho de 2015, tive uma luminosa aula sobre Responsabilidade Civil das Agências Reguladoras. Iluminou-me porque, embora ciente do dano a mim causado pela péssima gestão sofrida na Anac desde que nela fui empossado, por concurso público, a leitura crítica socioeconômica que nos foi trazida com excelência (e veemência) por um verdadeiro Mestre no tema específico demonstrou-me que muito pior do que o prejuízo específico — causado a mim e a vários demais servidores — são os mal feitos genéricos gerados pelos dirigentes desta agência nas dimensões econômicas e sociais, em relação solidária no pior. 

Os servidores ou ficamos sem capacitação, ou com neófitos passando conhecimentos errados e fiscalizando o que não conhecem, quer dizer, habilitados pelo poder sem serem capacitados na área de Aviação, específica da agência. Aponta o Prof. Flávio Willeman, em seu livro “Responsabilidade Civil das Agências Reguladoras”, Editora Lumen Juris (2005): 

As agências, autarquias da administração indireta que apresentam autonomia administrativa e financeira (decorrente especialmente das 'taxas' cobradas do setor regulado), têm como função primordial serem executoras das políticas públicas delineadas pelo Poder Executivo e, para tanto, apresentam as funções executivas, normativas e julgadoras/sancionadoras. O papel assumido pelas agências reguladoras de implementar as políticas públicas.  Isto torna-as responsáveis por danos que sejam causados em razão do exercício de qualquer de suas funções, tanto para o segmento regulado, como para o usuário/cidadão, cabendo, portanto à agência indenizá-los. A primeira função é a executiva, a qual se inicia reiterando a necessidade de obediência aos requisitos legais de: competência, finalidade, forma, motivo e objeto, para todo ato administrativo. O dever de indenização existirá desde que decorrente de "fiscalização, consentimento ou sanção de polícia administrativa, que se afigure ilegal — ou abuso de poder, nas modalidades de excesso de poder ou desvio de finalidade — ou mesmo lícito, desde que imponha um sacrifício irrazoável e extraordinário à pessoa que compõe o segmento regulado (empresa ou usuário/consumidor)" (p. 180). 

Autonomia não há, porque o governo é contra este modelo e não vem agindo com a necessária isenção para a continuidade no planejamento estratégico de Estado. Embora passível de modificações estas devem buscar manter a coerência para não se perder um plano de imanência de continuidade que traz a reboque a desejada segurança jurídica. O governo determina o dirigente por afinidade e contingencia orçamento de taxas. Este o panorama no âmbito externo. 

Na conjuntura interna, o Direito Administrativo dita que o exercício e as prerrogativas do poder encontram fundamento na potestade do Estado e seus limites nos direitos do cidadão. No entanto, os pilares do DA estão em cheque. Qual será o conceito de serviço público a viger? Ainda se tem a supremacia do interesse público como princípio, mas por quanto tempo? Como serão os futuros contratos administrativos? O problema é que esta ciência vem se transformando muito rapidamente na contemporaneidade global, o que implica na necessidade de constante capacitação dos players. Só que em que, com quem e com qual afinco? Quer dizer, qual intuito e precisão do conteúdo, qual formação do instrutor (professor) e com quanta carga horária? 

Aparenta-nos que se visa a des-instruir, premiar o ruim e dar ao servidor o mínimo. Os exemplos são muitos e, no mais das vezes, deprimentes. O Agente Público lida com o Direito Administrativo em seu cotidiano H-24. Nada obstante, o curso que tivemos e as reciclagens que temos hoje são de nível bem aquém do desejável. E, a Anac, hoje com 10 anos, praticamente nada evoluiu nesta seara. Ao contrário. A par de interesses de colocar “agencenígenas”(*2) cuja maior referência é o apadrinhamento para ensinar aquilo com que nunca lidaram, adotam o critério do bom cordeiro sem conhecimento ou experiência na área para gerir a atividade específica. Isto fica mais patente quando se deixa de privilegiar concursos públicos e requisitos específicos de conhecimentos, habilidades e experiência na área, para em contrário senso recrutar companheiros. 

Tem-se por dado que as agências vieram para ficar. Mal copiadas, é fato. Por questões culturais e, não se pode negar, por interesses particularistas acima do bem comum. 

Mas o modelo não é como está. O estado-da-arte das agências supera em muito o que está desenhado hoje na Anac e em outras, como tivemos oportunidade de saber em debates com os colegas das demais. Esta é a nossa grande oportunidade. Embora tudo que está ruim possa piorar, dependendo de nossa ação coletiva, nossas associações, sindicatos e da autonomia que nos for dada pelo combustível governo, ao menos nossa aeronave não continuará a deixar perder vidas inestimáveis e oportunidades econômicas vantajosas ao nosso país. E ao menos nossa aeronave resgatará segurança jurídica. Talvez, assim, tenhamos empregos para nossos colegas aeronautas e aeroviários civis hoje banidos do mercado nacional

Este o desafio dos Servidores da Anac. Este o plano de voo nacional, mas “interagencial”, a ser apresentado por todas as agências reguladoras ao “órgão de vínculo” para ser aprovado e voado. 

Bons voos!"

CMTE. TITO WALKER


(1) - Procurador do Estado do Rio de Janeiro e Advogado. Mestre em Direito pela Universidade Candido Mendes. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Candido Mendes. Professor dos cursos de pós-graduação da FGV e da UFF. Professor da EMERJ. Membro Fundador do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro IDAERJ. Autor dos livros: Responsabilidade Civil das Agências Reguladoras; editora Lumen Juris; e "Tópicos de Direito Administrativo"; editora Lumen Juris. Coautor de outros livros e autor de diversos artigos jurídicos publicados em periódicos especializados no país. Informações coletadas do Lattes em 21/05/2015. 

(2) - "Agencenígenas": aqueles que não trazem, a priori, a necessária experiência e o conhecimento da área específica de atividade da agência de aviação civil, mas convivência anterior com outras áreas do agir e dos fazeres humanos. 


* - Tito Walker está na Aviação desde 1961, tendo atuado na Segurança de Voo como investigador aeronáutico formado pela 3ª turma do então Sipaer, em 1971, com especialização em Estocolmo um ano depois. Foi piloto de combate na FAB, Cmte da Varig por 32 anos, Especialista em Regulação e Inspetor de Operações na Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Tem mais de 23 mil horas de voo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tive a grande honra de conhecer o Comandante Tito Walker no Aeroporto de Barbacena, circa 2004, enquanto fazia mue curso de piloto. Apesar de sua gigantesca experiência e conhecimento, fui recebido por ele com muita humildade e vontade de ajudar. Fiquei surpreso com o aprendizado técnico e de caráter que pude absorver em tão pouco tempo. Depois, tive o prazer de trabalhar próximo a ele na ANAC e vi um servidor público exemplar, que manteve a hombridade e jamais aceitou o aparelhamento político da agência. Eu pedi exoneração para voltar a voar mas continuei tendo notícias de seu espírito altivo e servidor. Pessoalmente nunca fomos próximos, mas para mim ele sempre será um exemplo de liderança, de profissional técnico acima da média, de servidor público que entende a relevância de seu trabalho. Parabéns T.W.! Espero outros posts de sua autoria