29.8.16

Crise

Receita não cobre pagamento de outorga, agravando situação financeira do Galeão
Aeroporto deve R$ 1 bilhão à União ao ano e valor equivalente ao BNDES

O Aeroporto Internacional Tom Jobim, conhecido como Galeão, não gera receitas suficientes para cobrir o pagamento anual de outorga de R$ 1 bilhão à União e o empréstimo-ponte do BNDES, quase no mesmo valor, afirmou ao GLOBO o ministro dos Transportes, Portos e Aviação, Maurício Quintella. Isso deixa o consórcio RIOgaleão em grave situação financeira, o que, segundo analistas de mercado, poderia levar, em última instância, à perda da concessão. Nesse cenário de desajuste, o banco de fomento não liberou o financiamento definitivo da concessão, o que agrava ainda mais o panorama.

— No caso do Galeão, a outorga foi alta demais. O problema é a relação entre a outorga e a receita. A receita não paga a outorga — disse o ministro.

Segundo Quintella, até meados de 2017, a concessionária terá de desembolsar mais de R$ 3 bilhões. O valor se refere à outorga vencida neste ano, mais a parcela prevista para 2017 e o empréstimo-ponte de R$ 1,1 bilhão.

ESPECIALISTA DEFENDE RESCISÃO

O RIOgaleão — formado em 49% pela Infraero e 51% divididos entre Odebrecht Transport e Changi Airports International, de Cingapura — arrematou o aeroporto em leilão de 2013. Prometeu pagamento de outorga de R$ 19 bilhões, um ágio de 294% sobre o preço mínimo de R$ 4,8 bilhões, o que chamou a atenção pela agressividade.

Sem o empréstimo de longo prazo, de cerca de R$ 2 bilhões, a concessionária conseguiu, junto ao próprio BNDES, prorrogar o pagamento do empréstimo-ponte de R$ 1,1 bilhão de junho deste ano para abril de 2017. Procurado, o BNDES informou que “o empréstimo de longo prazo continua em análise”.

Para o professor de Transporte Aéreo da UFRJ Respício do Espírito Santo Júnior, esse modelo de concessão, em que o governo federal se manteve como principal investidor, via BNDES e Infraero, tem problemas de sustentabilidade. Na sua avaliação, o governo também teve culpa ao não exigir um plano de negócios para cada aeroporto que permitisse receitas adicionais:

— Mantidas as condições atuais, a concessão do Galeão não tem como se sustentar a médio prazo. O ministro tem razão quando diz que o valor da outorga do Galeão foi exagerado. Idem para Guarulhos, mas o Galeão é muito mais gritante.

Para André Soutelino, advogado especializado em direito aeroportuário, o governo deveria reconhecer o erro rescindindo contratos, principalmente de Galeão e Guarulhos, os maiores aeroportos internacionais do país.

— É melhor devolver agora, pagar o que foi investido aos concessionários e começar do zero. O governo não tem dinheiro para pagar? Peça para o próximo concessionário pagar no leilão — recomendou Soutelino, destacando que isso pode ser feito sem que os usuários dos aeroportos sejam afetados.

No fim deste ano, quando vence a prorrogação da quitação da outorga, a União poderá decidir retomar o Galeão e relicitá-lo. Para isso, basta que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) execute a garantia bancária, conforme determina o contrato. Os defensores da ideia alegam que a medida resolveria o problema da Infraero, que não tem dinheiro para rachar a conta com o sócio privado.

Mas, segundo o secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, a retomada da concessão seria uma medida extrema, o que o governo quer evitar. Além disso, a avaliação é que os sócios privados não vão querer abrir mão de um bom ativo.

Quintella disse que o governo ainda não sabe o que fazer e espera que o concessionário pague suas obrigações até o fim do ano. A possibilidade de diluição da participação da Infraero no negócio existe, diz, se houver um aporte maior dos parceiros privados ou se surgir um novo investidor.

A Infraero informou que “não está, no momento, considerando esta possibilidade (de diluição) no planejamento de curtíssimo prazo” para todas as concessionárias em que tem 49%. Para Respício, o governo deveria abrir mão da parte da Infraero no Galeão, mas manter as demais condições de pagamentos, tal como rege o contrato:

— Se Odebrecht e Changi não fizeram as contas direito, problema delas. O que não pode é o governo afrouxar as condições e a sociedade pagar direta e indiretamente pelos erros crassos cometidos.

CRISE FRUSTROU RECEITAS

De acordo com o ministro, as dificuldades financeiras dos concessionários decorrem, principalmente, da conjuntura econômica, com queda nas receitas com tarifas. As empresas apresentaram pedido conjunto ao governo para adiar o pagamento das outorgas que venceram no primeiro semestre e somam R$ 2,5 bilhões. O processo está sob análise da Anac, mas a intenção é prorrogar o pagamento até o fim do exercício, com juros e multa.

— São casos diferentes, e a agência, até o momento, está aplicando aquilo que o contrato determina. Não houve favorecimento por parte do governo. Caso não honrem o compromisso, as consequências são gravíssimas — disse Quintella.

Segundo a Anac, Galeão e Viracopos (Campinas) não pagaram a outorga. Belo Horizonte, Brasília e Natal entraram na Justiça para não pagar. Já Guarulhos, que tem uma outorga anual de R$ 1,1 bilhão, optou por pagar em parcelas. Apesar do valor elevado, as receitas anuais no terminal paulista beiram os R$ 2 bilhões.

Os concessionários querem ainda que o governo altere os contratos para diluir o peso das outorgas ao longo da concessão — conforme se pretende fazer na nova rodada de leilões com Florianópolis, Porto Alegre, Fortaleza e Salvador, que não contará mais com a participação da Infraero.

Em nota, o RIOgaleão disse que “o projeto seria capaz de gerar caixa suficiente para honrar seu plano de investimentos e pagamento da outorga, caso o financiamento de longo prazo tivesse sido liberado e as condições econômicas do Brasil não tivessem se deteriorado de forma abrupta, levando o país a uma recessão.” A Infraero também indicou que a crise surpreendeu as projeções do consórcio.

Fonte: O globo

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