23.3.08

Crise contida, mas não resolvida

A ausência de filas e a calmaria da Quinta-Feira Santa no aeroporto Salgado Filho eram inimagináveis na Páscoa passada. A saída para o feriadão em 2007 coincidiu com um dos picos da crise aérea que tornou viagens de avião epopéias durante mais de um ano no Brasil.
A Páscoa de 2007 era o fim de semana seguinte ao motim de controladores que paralisou o sistema de aviação civil do país. Nessa Quinta-Feira Santa, um único vôo atrasou.

Desde o último Natal, os feriadões nos aeroportos deixaram de ser inevitáveis locais de estresse aos passageiros.

Ou seja, a crise aérea acabou? Especialistas avaliam que está contida, mas ainda não foi solucionada. Desencadeada pela greve dos controladores de vôo, insatisfeitos com as condições de trabalho evidenciadas pelo acidente com o avião da Gol, em setembro de 2006, a crise jogou luz em um setor com sérios problemas, negligenciados pelo governo. Sistemas de controle aéreo deficientes e falta de profissionais conviviam com gargalos impossíveis de se resolver a curto prazo - e que ainda não foram solucionados de 18 meses para cá.

Estrutura deficiente para a demanda de passageiros

- Os problemas foram resolvidos à brasileira, de forma emergencial. Ou seja, correm o risco de se repetir - afirma Carlos Camacho, diretor de segurança de vôo do Sindicato Nacional dos Aeronautas.

Apesar de contar com um sistema aéreo considerado moderno, o Brasil não tem infra-estrutura suficiente para encarar um crescimento médio de 12% ao ano no número de passageiros. Um gargalo conhecido é em São Paulo: a maior economia do país atrai o maior número de passageiros, e seus dois principais aeroportos não suportam mais o fluxo. Congonhas, palco da tragédia do vôo 3054 da TAM, em julho passado, teve a capacidade reduzida em 40% no segundo semestre - e só assim as intermináveis filas e atrasos voltaram a um nível aceitável. A falta de capacidade havia sido prevista já no fim da década de 70, mas a construção de um terceiro aeroporto ainda é uma possibilidade longínqua.

- A crise passou, mas a capacidade do setor não foi ampliada - resume o diretor do Núcleo de Competição e Regulação do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Alessandro Marques de Oliveira.

Pelo menos para garantir o funcionamento mínimo do sistema, o governo agiu com força. Desde a greve, 92 controladores já foram afastados. E o regime foi endurecido aos demais (veja texto ao lado). Em 26 de julho do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu o então ministro da Defesa, Waldir Pires, e chamou o gaúcho Nelson Jobim para tomar as rédeas de um setor baratinado com o acidente da TAM.

Depois de dois meses, Jobim emplacou uma nova diretoria na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que implantou políticas mais restritas para as companhias aéreas, reduzindo problemas como overbooking (venda de passagens além da capacidade do avião), por exemplo.
Diretor admite falta de dinheiro para aeroportos

No mesmo dia em que o então presidente da Anac, Milton Zuanazzi, se afastou do cargo, Jobim fixou uma data para o fim da crise aérea: março de 2008. Um dos atuais diretores da agência, Ronaldo da Motta diz que a aviação ainda tem dificuldades sérias a resolver, como a falta de recursos para construir aeroportos e modificar a estrutura de controle do espaço aéreo.

- O que conseguimos fazer foi a reorganização da malha aérea, criando mais espaços nos aeroportos. Com a fiscalização mais de perto, as empresas não podem mais modificar seus planos de vôo sem notificar os órgãos de controle - explica Motta.

Com a Operação Hora Certa, mantida durante o verão, a média de vôos atrasados no país baixou de 13% em dezembro para 7% em fevereiro.

- O momento de crise passou. Mas não quero ser ilusório, dizer que a crise aérea passou. Vai ter momentos, como feriados, que vamos enfrentar problemas - avisa o diretor da Anac.

Para os passageiros traumatizados com as horas perdidas no chão de aeroportos lotados, a calmaria dos últimos meses é promissora. O advogado Osmar Vieira, de Londrina (PR), passou uma noite inteira no Salgado Filho dois dias depois do acidente da TAM em Congonhas. Seu vôo partiria às 22h30min, mas ele só embarcou às 5h da manhã. As longas horas de espera em aeroportos viraram rotina para o profissional, que vai com freqüência para São Paulo e ao Nordeste. Como usuário, considera a crise superada.

- A harmonia é quase total. Não creio que os problemas vão voltar - afirmou, acomodado em uma poltrona esperando o mesmo vôo das 22h30min, desta vez em um Salgado Filho silencioso de tão vazio.

Fonte: Zero Hora

Nenhum comentário: