Empresário diz que será desafiado pela nova companhia áerea, mas que já atende às cidades que ela pretende cobrir
Antes de lançar a Gol em 2001, Constantino de Oliveira Junior chegou a visitar a sede da americana JetBlue, para aprender como seu fundador, David Neeleman, estava fazendo para enfrentar as grandes companhias americanas. Seria impensável, na época, imaginar que sete anos depois, Neeleman iria se transformar em seu grande concorrente, justamente no mercado brasileiro. Mas o presidente do grupo Gol - que fatura R$ 4,9 bilhões e detém 40% do mercado brasileiro, somando operações de Gol e Varig -, ao menos publicamente, diz não estar preocupado. “Quando surgimos, fomos os desafiadores do mercado. Agora, seremos desafiados. Mas estamos preparados, nascemos para competir.” Apesar de elogiar a capacidade empreendedora do novo concorrente, ele diz que muitas das rotas de baixa e média densidade que potencialmente poderiam ser feitas com os jatos E-190 da Embraer, de 100 lugares, escolhidos por Neeleman, já são operadas pela Gol, com aviões maiores (140 a 180 lugares) e custos mais baixos. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o senhor vê a entrada de um competidor de porte como David Neeleman?
O David Neeleman é um executivo competente e obviamente tem capacidade de angariar recursos. Do nosso lado, da Gol, nascemos para competir. O mercado é livre e a Gol é uma prova disso. Durante muito tempo fomos os desafiadores, agora estamos em uma posição de ser desafiados. Mas consolidamos uma posição importante no Brasil. Estimulamos o mercado e fomos um dos principais responsáveis em fazer com que o setor aéreo fosse percebido como um mercado saudável. Hoje, as companhias têm de buscar eficiência, produtividade e qualidade no atendimento. A referência, é outra. Saímos de uma situação onde as empresas, e não a infra-estrutura, eram um problema para o governo.
Ainda não existe posição oficial, mas ao que parece David Neeleman irá utilizar no Brasil os jatos de 100 lugares da Embraer, o E-190. Apesar do sucesso lá fora, ninguém ainda havia se interessado em usá-lo no Brasil. O senhor já avaliou esse avião? Acredita que há mercado para ele no Brasil?
O equipamento é excelente e não diria que não há espaço para ele. Mas estamos conseguindo atender destinos menores, que eram considerados bons mercados para aviões como o 190, com aviões maiores. A Gol opera em 50 destinos no mercado doméstico e estamos crescendo bastante. Conseguimos atender a esses mercados menores por conta da nossa capacidade de distribuir passageiros. Eu consigo pegar passageiro em Cruzeiro do Sul, no Acre, com um Boeing 737, e levá-lo para Manaus, pois de lá eu ofereço inúmeras opções. Se eu fosse pegar tráfego especifico de Cruzeiro do Sul para Manaus com esse avião, não seria viável. Mas a questão de novos entrantes não depende só do avião. A questão é entender quais são os atributos e de que forma essa empresa vai oferecê-los ao mercado.
Em entrevista ao Estado publicada na quinta-feira, o diretor da Anac Alexandre Barros afirmou que a agência pretende rever o sistema de distribuição de slots (horários de pousos e decolagens) para estimular a entrada de novos competidores em Congonhas.
No último ano, houve redução das operações em Congonhas e tivemos de transferir vôos para Guarulhos e outras localidades. Se a capacidade do aeroporto voltar ao que era, gostaríamos de ter de volta aquilo que perdemos. Estamos abertos a dialogar e respeitamos a posição da Anac de estimular a competição. Não somos contra a competição, o mercado é livre, a Gol é fruto disso.
Mudanças de regra não prejudicam os negócios?
Mudanças de regras não são necessariamente para pior. Não podemos reprimir o comportamento do órgão regulador, que está cumprindo seu papel. Eu tenho de estar preparado para competir. Mas foi a primeira vez que vi alguém da Anac falando isso assim, e não tenho condição de dizer agora se as mudanças serão boas ou ruim com base na declaração.
O mercado comporta mais competidores?
Não cabe a mim achar ou não achar. O mercado é aberto. Não esperamos outro tipo de comportamento do governo. Ele está aí para atender aos anseios da comunidade, e não para proteger A ou B. Mas, para mim, existe um contra-senso. Em um momento, reduz-se a operação em Congonhas por causa da restrição de infra-estrutura. No outro, estimula-se o novo entrante. Mais empresas, são mais aviões, mais operações, e isso demanda mais infra-estrutura.
Passada essa fase de ganhos de eficiência e produtividade que a Gol foi responsável por introduzir, hoje a percepção que se tem é que TAM e Gol são muito parecidas e que houve uma certa acomodação em termos de serviço. Os preços das tarifas são muito parecidos.
Não concordo com essa avaliação. A competição ainda é acirrada. Estamos crescendo a mais de 10%, ano sobre ano, há mais de três anos. O mercado hoje talvez seja o dobro do que era em 2001 e esse crescimento continua. Houve uma convergência do nosso principal concorrente para o nosso modelo de negócios por uma decisão estratégica deles de sobrevivência. Continuamos fiéis ao nosso modelo de negócios e investindo em tecnologia para trazer conveniência aos nossos passageiros. Aqui não tem ninguém acomodado. Estamos na vanguarda de tecnologia em termos de serviço para o cliente. Quando o check-in pela internet ainda era embrionário nos EUA, a Continental estava começando, nós já estávamos oferecendo aqui. Agora fazemos também check-in com bagagem pela internet, temos uma política de reembolso forte que funciona. Lá fora, se você não aparece, perdeu o dinheiro da passagem. Aqui, temos um sistema que controla isso e que é uma inovação. Hoje, 80% das nossas vendas são feitas pela internet. Temos uma série de projetos em andamento, mas só vamos anunciar quando tivermos algo pronto. Coisas que vão simplificar a vida do usuário, simplificar processos, gerar eficiência. A tecnologia não se faz da noite para o dia.
Quando é que teremos internet e celular a bordo no Brasil?
É preciso ter sistemas confiáveis para implementar. A tecnologia está em processo de mutação e estamos em um momento de definição sobre qual será a melhor tecnologia para os próximos anos. É difícil prever. Vai depender do investimento, do retorno sobre o investimento. O passageiro quer ter energia para o seu laptop e, se possível, poder se ligar na rede. De que adianta instalar uma televisão a bordo, com todo cabeamento e toda complexidade, se daqui a dois anos esse sistema vai ficar obsoleto?
Este mês, Gol e TAM vão deixar de operar alguns destinos, deixando a concorrente sozinha. É coincidência?
O que aconteceu foi que a Anac mudou a forma de trabalhar e temos uma data limite para fazer mudanças de malha. A partir do dia 24 de março, todas as alterações vão começar a valer. Saímos de Ribeirão Preto (SP) e São José do Rio Preto (SP) com muito pesar. Mas tivemos de reajustar a malha em função da redução de slots em Congonhas e a baixa rentabilidade não justificava manter essas rotas. Em Maringá (PR), fomos pioneiros. Entrou a concorrente, o mercado continuou crescendo e agora eles (a TAM) acharam mais interessante sair.
A crise aérea acabou?
A normalidade voltou ao sistema de controle de tráfego. Não sei exatamente como, mas os ânimos (dos controladores) foram apaziguados e nós temos tido condição de atender melhor nossos clientes. Mas aprendemos muito durante a crise. De um lado, houve um melhor ordenamento do sistema e, de outro, um aprimoramento do serviço por parte das companhias. Em função da atuação da Anac, houve um alinhamento muito maior entre Aeronáutica, Infraero, Anac e companhias aéreas, e isso acaba resultando em melhor serviço. Temos os mesmos aeroportos, os mesmos controladores, as mesmas companhias, mesmos passageiros, e as coisas estão funcionando.
Fonte: O Estado de SP
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