O Escritório de Investigações e de Análises (BEA) da Aviação Civil da França, órgão responsável pela apuração das causas do acidente com o voo 447 da Air France no qual morreram as 228 pessoas a bordo do A330, promete revelar sexta feira, 27 de maio, a sequência funesta que fez o Airbus despencar de 11 500 metros de altitude em menos de 5 minutos no Atlântico. Mais de 2 500 parentes e amigos das vítimas – 32 nacionalidades – aguardam ansiosos a resposta a uma pergunta que já dura quase dois anos: O que aconteceu com o AF 447? Mas não só. Desde a madrugada do 1 de junho de 2009, o futuro da aviação civil, que transporta 13 milhões de passageiros diariamente pelos céus do planeta, pode estar próximo de ficar mais seguro.
Em setembro do ano passado, a perspectiva descrita acima não existia no horizonte. À época, havia apenas uma remota esperança de se achar em uma das regiões mais inóspitas do relevo oceanográfico, dois aparelhos do tamanho de caixas de sapatos capazes de contar tim-tim por tim-tim a tragédia com uma espécie de “Titanic do ar”, um dos aviões mais sofisticados do seu tempo e protótipo do que poderia ser a aeronave do futuro segundo a visão de engenheiros aeronáuticos europeus. Mas já se sabia, desde o dia seguinte ao acidente, que três sensores localizados na parte dianteira e inferior externa do A330, os Pitot, foram protagonistas da tragédia. Eles medem a velocidade do ar e, em consequência, a do próprio avião. Soube-se das panes através de 24 mensagens automáticas – sem ação dos pilotos – enviadas pelo avião ao centro de manutenção da companhia aérea, em Paris.
As falhas de leituras dos Pitot fabricados pela francesa Thales não revelam um defeito ocasional dos instrumentos, cuja certificação data da década de 50, mas que não foram projetados para enfrentar a situação imediatamente anterior ao acidente. O embaraço pode ser ainda melhor aferido por uma estocada violenta da Air France contra a Airbus. O gesto é raro no solidário mundo aeronáutico da França, sobretudo, entre empresas consanguíneas pela parceria técnica histórica e nos negócios. A maior empresa aérea francesa tem uma frota de 380 aviões, 200 deles fabricados pelo gigante europeu Airbus. O número é quase quatro vezes superior aos aviões da Boeing sob a bandeira tricolor blue blanc rouge. Ambas as companhias foram acusadas de homicídio culposo no inquérito criminal do AF 447, mas a Air France alega judicialmente que a Airbus ignorou alertas sobre o perigo dos Pitot. É o que você vai ler a seguir.
No fim de setembro de 2010, o advogado da Air France, Fernand Garnault, entregou a juíza de instrução Sylvie Zimmerman, responsável pelo inquérito judicial sobre o AF 447, um documento de 16 páginas e anexos que dali em diante fizeram parte do processo. O Blog de Paris obteve cópia integral. As tintas mais fortes estão em um parágrafo da conclusão: AIRBUS e THALES consideraram estes eventos [leituras de velocidade incoerentes feitas pelos Pitot] como menores e sem consequência potencialmente catastrófica. Essas empresas não encontraram solução para as falhas de funcionamento. Apesar do pedido formal da AIR FRANCE, o construtor não emitiu nenhum Boletim de Serviço (SB) recomendando equipar a frota A330/A330 com sondas GOODRICH [nome do fabricante americano de sondas anemométricas]”
No documento, a Air France deixa claro que as falhas dos Pitot são constatação objetiva e incontestável e admite que elas podem ter origem no congelamento das sondas. Para relembrar: minutos antes do acidente, o A330 do AF 447 perfurou um aglutinado denso de nuvens cumulos-nimbos tempestuosas, na Zona de Convergência Intertropical, em uma altitude na qual a temperatura era de 42 graus Celcius negativos. Durante quatorze meses que precederam a maior tragédia da companhia aérea francesa, a Air France comunicou a Airbus 13 ocorrências de erros dos Pitot THALES PN 16195AA.
Chama atenção uma sequência de 4 falhas dos Pitot no espaço de apenas 41 dias, precisamente, entre o 7 de agosto e o 10 de setembro de 2008. Duas semanas depois, a Air France recapitulou as ocorrências anteriores para, em seguida, despachar quatro perguntas ao construtor: Qual é a causa das falhas? As sondas Pitot THALES PN16195BA [modelo mais recente] corrigem os erros? Qual soluções a Airbus propõe para corrigir os erros? Os procedimentos operacionais que tratam destas falhas são adequados?
O departamento jurídico da Air France afirma no memorando à Justiça que, no dia 26 de setembro de 2008, em contradição com um boletim de um ano antes, a Airbus teria respondido que o problema era devido ao acumulo de cristais de gelo no interior dos Pitot e que as novas sondas não solucionavam o problema ainda que estivessem devidamente certificadas. Para arrematar, teria dito que não havia uma solução imediata para o problema: a tripulação deveria aplicar como remendo o procedimento QRH 2.21.
Caríssimo leitor do Blog de Paris, “o procedimento QRH 2.21”, notem bem, é a tentativa de sair pela janela. O que é o QRH 2.21? Trata-se de umas dessas “check lists” que os pilotos memorizam ou são obrigados a consultar na hora H, para tentar salvar o avião e, mais importante, os passageiros que vão com ele. Provável que na sexta-feira, quando o BEA divulgar a cronologia do acidente, alguns venham concluir que os pilotos não seguiram os procedimentos adequados. Sucede que, pelas normas que reagem a aviação, um procedimento complexo não deve substituir equipamento com erro de concepção. É como se um motorista tivesse sempre que pisar no freio porque o carro foi projetado com tendência a aceleração. Foi por essa razão que a juíza Zimmerman indiciou a Airbus.
Vamos um pouco mais longe. Pode ser que na sexta-feira acusem os pilotos de, ao tentar realizar o procedimento para escapar das leituras incoerentes dos Pitot, não tenham percebido que o A330 havia entrado em situação de estol, ou seja, perdido sustentação. Isso acontece quando a aeronave não está mais voando e sim caindo, o ar deixa de passar por cima da parte superior da asa de modo a gerar uma depressão que forma um vetor de sustentação. Se o for caso, a premissa será ainda mais descabida. À época do acidente em questão, a Airbus escreveu em documento que era descessário treinamento para a estol. Isso porque, segundo o construtor, o seu A330 não estolava. Mudaram de ideia de lá para cá. Mas na eventualidade perturbadora de um alarme na cabine de comando acusar estol, a Aibus recomendava que os pilotos dessem plena potência nas turbinas. Já não acham que deve ser assim mais. Em janeiro de 2011, o construtor europeu passou aconselhar como “manobra de urgência” – categoria com patente superior a procedimento – justamente o contrário. Ou seja, reduzir a força dos motores.
2 comentários:
Stol,perda de sustentação, voando em cruzeiro, nariz embaixo ,pith p/ stick deflection máx de 15 graus em nose down, suportando um fator carga que não afetaria a estrutura da aeronave. Ultima informação,a BEA, diz que os co-pilotos procederam nose up ,que no máx. seria de 30 graus, o que queriam com nariz para cima??, ganhar sustentação é que não conseguiriam nunca.
Pelo relatorio da BEA, os pilotos aplicaram diversos niveis de thrust, desde TO/GA , a IDLE , bank angle de 30 graus para um lado e de 15 graus para outro , ascenderam de 35000 ft para 38000 ft , pela situação jamais puseram os olhos no AFM da aeronave (Acft Flight Manual)e o FCOM (Flight Crew Operating Manual) onde está contido o "envelope" e seus limitantes, N1, N2,EGT ,curvas de performance,MCT ,a situação não permitiu possivelmente acesso a esses dados em Abnormal Operations.
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