18.9.15

O Sistema De Chicago – Parte III

As Convenções Internacionais para a Repressão de Atos Ilícitos Praticados contra a Segurança da Aviação (por Cmte. Paulo Murillo Calazans* - 18.09.15)

Depois da elaboração e entrada em vigor da Convenção de Chicago em 1947, com sua ratificação pelo 26° Estado (país), várias questões envolvendo a segurança dos voos, das aeronaves e de seus ocupantes vieram à tona. 

Mais adiante, já final da década de 50 e início da de 60, atos hostis praticados contra aeronaves, e que punham em ameaça a segurança do sistema de aviação civil como um todo, levaram os países contratantes da ICAO a discutir este novel tema e os problemas advindos das novas ameaças.  Ao longo do tempo, verificaram-se distintos momentos ou fases, cada qual com sua característica histórica específica, de atos atentatórios contra a segurança de voo.  E, a cada uma dessas fases, correspondeu um documento internacional, é dizer, uma convenção internacional nova.

Vale lembrar, aqui, que as convenções (ou tratados) internacionais somente passam a valer dentro de cada país que a assinou a partir de sua incorporação ao seu ordenamento jurídico, isto é, ao seu sistema legal interno.  No Brasil, em breves linhas, este processo se dá da seguinte forma: após os representantes brasileiros (agentes plenipotenciários) procederem à assinatura de um tratado ou convenção, é necessária a sua aprovação pelo Congresso Nacional (mediante decreto legislativo) e, posteriormente, por ato discricionário e privativo do Presidente da República, a sua ratificação junto ao ente internacional de onde emanou (no caso da aviação, a ICAO).  Com a ratificação, o Brasil assume, no âmbito internacional, a obrigação de cumprir o tratado tão logo ele entre em vigor.  Todavia, para que a o tratado vigore dentro do Brasil, é necessária, ainda, a sua promulgação pelo Presidente da República (mediante decreto).  É  o que se chama de vigência interna.

A primeira convenção para a repressão de atos ilícitos praticados foi a Convenção de Tóquio de 1963 (“Convenção relativa às infrações e a certos outros atos cometidos a bordo de aeronaves”, promulgada no Brasil pelo Decreto 66.520/70).  Esta Convenção é de particular interesse para os pilotos e, em especial, para os comandantes, pois estabelece diversos poderes (autoridade) de que os mesmos dispõem para adotarem medidas necessárias e bastantes a fim de assegurar a segurança da aeronave e seus ocupantes. 

Entre elas, impor a constrição física a pessoas, para o que pode requisitar (ordem) o auxílio de membros da tripulação ou requerer (solicitar) a assistência de outros passageiros (art. 6°).  Da mesma forma, passageiros também podem proceder a medidas preventivas contra outros passageiros se imediatamente necessárias para proteger a integridade da aeronave ou das pessoas ou bens a bordo.  Os comandantes têm poderes, ainda, para desembarcar e entregar às autoridades locais, no país onde a aeronave se encontre ou após pousar,  passageiros que praticaram, ou encontram-se na iminência de praticar, atos ilícitos contra a segurança de voo (art. 8°).  Além disso, o art. 10 isenta de responsabilidade civil ou criminal tanto o comandante quanto demais tripulantes, ou ainda passageiros, que tenham agido em conformidade com disposições constantes do texto da Convenção. 

A par destes poderes, como sói ocorrer, há deveres a serem observados pelos comandantes, sobretudo os de informar formalmente as autoridades locais antes ou após o evento, e sempre tão logo quanto possível, as autoridades locais quanto às medidas adotadas.

Acima de tudo, a Convenção de Tóquio teve por principal escopo afastar diferenças e uniformizar  procedimentos e entendimentos entre os países contratantes a respeito dos poderes, competências e jurisdições aplicáveis no caso de ilícitos praticados a bordo de aeronaves, de forma que, não somente os envolvidos possam ter certeza das suas atribuições e limites legais, mas também para que eventuais lacunas jurídicas entre os sistemas legais de um país e outro pudessem acabar por enfraquecer o esforço de estabelecer medidas concretas e eficazes de proteção ao sistema de transporte aéreo.

Mais adiante, durante as décadas de 60 e 70, advieram inúmeros sequestros de aeronaves civis e/ou seus passageiros para fins políticos, em sua maior parte relacionados a conflitos regionais do Oriente Médio.   Em face disto, foram editadas a Convenção de Haia de 1970 (“Convenção para a Repressão ao Apoderamento Ilícito de Aeronaves”, Decreto 70.201/72) e a Convenção de Montreal de 1970 (“Convenção para Repressão aos Atos Ilícitos Contra a Segurança da Aviação Civil”, Decreto 72.383/73), com o propósito caracterizar de forma clara e firme a natureza penal grave dos sequestros e demais atos ilícitos contra a aviação, buscando evitar artimanhas jurídicas processuais sutis que pudessem servir de utensílio de manobra para alguns estados esquivarem-se da obrigação de processar penalmente criminosos e terroristas, pelo que tais Convenções impõem a obrigação alternativa de “julgar ou extraditar”.

Na sequência cronológica, um SARP (Standards and Recommended Procedures) foi adotado pelo Conselho da ICAO em 1974, que veio a se tornar no Anexo 17 à Convenção, quando aparelhos de raios-x e detetores de metais passaram a ser introduzidos na rotina da aviação civil. 

Mais tarde, os atentados nos aeroportos de Frankfurt, Tóquio, Roma e Viena, em 1985,  levaram à inclusão das áreas aeroportuárias e instalações de aeronavegação no domínio de aplicação das Convenções retromencionadas, através do Protocolo de Montreal de 1988 (Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência em Aeroportos que prestem Serviços à Aviação Civil Internacional, Decreto 2.611/98)

Da mesma forma, a explosão em voo do B-747 da Air India sobre o Atlântico, matando 329 pessoas e, em 1988, do B-747 da Pan Am sobre Lockerbie, ceifando a vida de 254 pessoas, levaram a adoção da Convenção de Montreal de 1991 (“Convenção sobre a Marcação de Explosivos Plásticos para Fins de Detecção”, Decreto 4.021/01).

Mais recentemente, após os atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center em 2001, foram adotados a Convenção e o Protocolo de Beijing de 2010, embora ainda pendente de número suficiente de ratificações para sua entrada em vigor.

O sistema internacional de Aviation Security[1] é bastante complexo e se compõe ainda de um elevado número de resoluções, programas, projetos e estudos em andamento, todos voltados para aprimorar a segurança de voo em seus mais variados aspectos e levando em conta as maiores sensibilidades diplomáticas no cenário internacional e as diferenças culturais, jurídicas e econômicas existentes entre os diversos países membros da sociedade internacional. 

Por último, registre-se, entre nós, o Decreto 7.168/10, Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil Contra Atos de Interferência Ilícita (PNAVSEC), que regulamentou as atribuições legais da ANAC, Comando da Aeronáutica, Empresas, Administração Aeroportuária e diversos outros entes envolvidos direta ou indiretamente no programa, ainda pouco difundido dentro da comunidade aeronáutica, mas de enorme importância e amplo grau de detalhamento no que diz respeito às diretrizes, planos e ações voltados para a segurança da aviação civil.
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* - Comandante de A-310.  Foi piloto nas empresas Varig (B-727, B-744, DC-10, B-767, B-733), Eva Air (MD-11), Ryanair (B-737-800) e atualmente se encontra no Qatar. Possui cerca de 14 mil horas de voo. É advogado e sócio do Escritório Leonardo Lobo Advogados, no Rio de Janeiro.  Bacharel em Direito e Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC/RJ, e Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM/RJ.  Foi professor do Departamento de Direito da PUC/RJ e estagiário concursado no Ministério Público do Trabalho. 46 anos, casado, carioca e tricolor.




  



[1] É relevante observar que o termo inglês security se diferencia de safety, embora no vernáculo sejam ambos traduzidos por “segurança” neste espectro contextual: e.g., aviation safety vs. aviation security.

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