26.2.13

Líder da Boeing ataca a crise do 787 longe dos holofotes


Os jatos de última geração nos quais a Boeing Co. apostou seu futuro estavam em terra, com a TV mostrando imagens perturbadoras de passageiros deslizando pelas saídas de emergência, quando o diretor-presidente Jim McNerney enviou um pedido de desculpas manuscrito aos presidentes dos conselhos das companhias aéreas que operavam os 787 Dreamliners cujas baterias pegaram fogo.

Mais ou menos nessa  época, no mês passado, ele convenceu discretamente os diretores-presidentes da General Motors e da General Electric a emprestar à Boeing seus melhores especialistas em eletricidade e fez uma reunião discreta com o diretor da Agência Federal de Aviação dos Estados Unidos, a FAA.

Com a célebre empresa enfrentando a maior crise do mandato de oito anos de McNerney, o executivo está apostando que é melhor ficar nos bastidores para tentar corrigir o problema do que aparecer sob a luz dos holofotes para tranquilizar o público.

"Preciso aparecer em público com absoluta confiança quando a Boeing propõe soluções para viabilizar essa tecnologia para o mundo", disse ele durante uma entrevista exclusiva ao The Wall Street Journal em seu escritório em Chicago. "E a única maneira que conheço é mergulhar fundo com as pessoas que realizam os trabalhos científicos e técnicos."

A Boeing apresentou à FAA na sexta-feira uma proposta de correções que considera suficientes para que os jatos sejam autorizados a voltar a voar. Mas a FAA afirmou que só autorizará o retorno do Dreamliner depois que as falhas na bateria sejam definitivamente corrigidas. Esta semana, a Boeing deve se reunir também com autoridades japonesas.

O que está em jogo não poderia ser mais importante. "Este avião é o nosso futuro, a curto e médio prazo, e representa a nossa reputação e a nossa marca", disse McNerney durante uma das duas entrevistas em que detalhou o que ele e seus executivos vêm fazendo desde o início da crise.

A Boeing continua a fabricar mensalmente cinco aviões 787, apesar de estar proibida de entregá-los e de receber o pagamento integral por qualquer um deles até que o Dreamliner — cujo preço de catálogo é cerca de US$ 200 milhões — receba nova certificação para voar. Em uma reunião recente na linha de montagem da empresa em Everett, no Estado de Washington, McNerney disse ao seu alto escalão: "Vamos ter um monte de 787s empilhados por aqui se não conseguirmos remediar a situação em breve".

Ao mesmo tempo, as aéreas que são clientes da Boeing, e foram obrigadas a cancelar centenas de voos, estão aumentando a pressão sobre o diretor-presidente para detalhar seus planos de trazer os Dreamliners de volta à ativa.

Os incidentes em que a bateria de íon de lítio superaqueceu e derreteu foram um desastre de relações públicas para a empresa. Dois aviões 787 começaram a soltar fumaça, e em um deles os passageiros escaparam por escorregadores de emergência depois de pousar no Japão. Autoridades de segurança aérea nos EUA e no Japão mostraram as baterias queimadas, e reguladores em todo o mundo proibiram a frota inteira de voar.

McNerney tem sido criticado por não informar melhor os investidores e o público sobre suas iniciativas para resolver o problema. "Quando se lança apenas um novo jato a cada dez anos, é preciso ter alguém diante do público que assuma o controle pessoalmente", disse o consultor de aviação Richard Aboulafia, vice-presidente do Teal Group.

O conselho da Boeing vem apoiando o executivo. "Jim está fazendo exatamente o que deveria fazer", disse o conselheiro principal, Kenneth Duberstein. "Ele está bem à frente, junto aos grupos mais importantes — os clientes, os reguladores, os funcionários e os fornecedores."

Quando McNerney, que antes fez carreira na GE e comandou a 3M, assumiu a Boeing, ela estava abalada por investigações de corrupção, perda de contratos de defesa, fraqueza na sua divisão de jatos comerciais e a demissão de dois diretores-presidentes consecutivos. Os contratos de defesa representavam 50% da receita. Para reforçar a divisão de aeronaves comerciais, McNerney estimulou o desenvolvimento do 787 Dreamliner. Projetado para ser um jato revolucionário, seria mais eficiente no consumo de combustível que os concorrentes, com uma fuselagem leve, feita de materiais compósitos, e um sistema elétrico com poderosas baterias de íon de lítio. Choveram encomendas e em 2012, pela primeira vez em dez anos, a Boeing superou a europeia Airbus como maior fabricante mundial de aeronaves em número de aviões encomendados e entregues.

Logo, o Dreamliner sofreu atrasos que a Boeing atribuiu a alterações de projeto e à terceirização da produção. No início de janeiro, 50 aviões tinham sido entregues.

"Eu estava começando a me sentir melhor", lembrou McNerney. "E então... bang!"

Em 7 de janeiro, disseram a McNerney para ligar a TV no seu escritório. Ele viu então um Dreamliner da Japan Airlines pousado no Aeroporto Logan, de Boston. Saía fumaça do compartimento de carga. Ele ligou para Ray Conner, chefe da divisão de aeronaves comerciais, e para o diretor de tecnologia John Tracy. Eles suspeitavam que houvesse "restos de objetos estranhos" nos painéis elétricos do 787, que já tinham passado por dois incidentes em voo, em dezembro.

O Conselho Nacional de Segurança no Transporte dos EUA enviou investigadores. No dia seguinte, engenheiros da Boeing viram que o incêndio tinha se limitado à bateria de íon de lítio. McNerney disse que ficou surpreso: "Nós tínhamos testado a bateria até não poder mais", disse.

Durante a semana seguinte, McNerney e sua equipe analisaram os testes anteriores com as baterias. Estas, cada uma com oito células, não mostraram nenhum problema durante mais de 2,2 milhões de horas/célula de funcionamento, tanto em terra como em 50.000 horas de voo. A equipe elaborou um plano para avaliar o sistema elétrico. McNerney marcou uma reunião particular para informar o chefe da FAA. Em separado, falou com membros do conselho e com clientes.

Em 15 de janeiro, o celular de McNerney começou a vibrar com uma série de mensagens: "Outro incêndio na bateria." "Fumaça na parte elétrica." "Avião desviado no Japão." Ele ligou para Conner e disse: "O problema da bateria não é mais um caso isolado."

Ele ficou dando telefonemas enquanto via o noticiário mostrando o Dreamliner da All Nippon Airways sendo evacuado.

No dia seguinte, McNerney entrou no escritório do diretor da FAA, Michael Huerta, sem ser notado pelos jornalistas. A reunião ganhou um tom soturno quando ficou claro que a FAA suspenderia os voos do 787.

No dia seguinte, em Chicago, Tracy, o diretor de tecnologia, disse a McNerney que "nada do que aconteceu representava um risco para o avião ou os passageiros", de acordo com ambos.

McNerney bateu a mão na mesa. "Será que você está entendendo o que significa tudo isto?", ele recorda ter dito. A questão não é apenas "a eletroquímica em uma bateria (...). Trata-se da segurança e da confiança nos nossos aviões e na nossa marca. E isso não pode acontecer de novo."

McNerney ligou para altos executivos da GE, GM e outras empresas para pedir ajuda de seus principais especialistas em baterias e eletricidade. "Queria ter certeza que os [maiores] peritos do mundo estariam focados no problema conosco, pois em última análise a credibilidade da nossa solução não depende apenas de nós", precisa também da aprovação deles, disse o executivo.

Na terceira semana da crise, McNerney foi para Seattle ver os progressos na divisão de aeronaves comerciais. Interrogou a equipe por três horas, pressionando-a a apresentar "altas probabilidades analíticas" sobre a causa provável e "múltiplas camadas de proteção" para o avião.

A Boeing começou a notificar oficialmente os clientes sobre atrasos nas entregas do Dreamliner no início do mês. Na semana passada, McNerney disse que a equipe estava segura de ter identificado "todas as causas prováveis". McNerney revisou os detalhes finais da bateria modificada e as novas salvaguardas que a Boeing propôs à FAA e está buscando permissão para realizar voos de teste para validar as alterações, com vistas à retomada dos voos regulares.

McNerney planeja ter equipes de reparos da Boeing prontas para ser despachadas pelo mundo afora para instalar as baterias modificadas e fazer outras mudanças — assim que a FAA der a autorização.



Fonte: Wallstreet Journal

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